Entre o Ribeiro
e o Tempo. Há
lugares onde o tempo escorre devagar, como se tivesse memória. O Ribeiro de S.
Simão, afluente do Rio Lima, com o seu sussurro milenar, murmura histórias que
não estão nos livros. As pedras molhadas, polidas por passos que já não se
contam, guardam o eco de vozes antigas – os nossos avós, e os avós deles,
curvados sobre a terra, com as mãos no húmus e os olhos no céu.
A água que ali corre, vinda das entranhas das serras, encontra-se com a
maré atlântica como quem reencontra um irmão distante. Mistura-se o doce com o
salgado, o interior com o oceânico, e nesse abraço nasce uma nova pele do
mundo.
Entre o musgo e o granito, cresce uma aguarela viva: aves em voo baixo,
peixes ligeiros, arbustos que resistem ao tempo como resistimos nós – teimosamente
vivos. E somos isso: parte da seiva, do ciclo, da dança invisível entre sol e
sombra.
A terra que pisamos é também ela um corpo que nos lembra quem somos.
Não somos donos: somos descendentes, inquilinos de passagem, herdeiros de
silêncios e cantigas.
Ali, entre o ribeiro e o Lima, o homem é menos vaidade e mais raiz, porque continuamos a dar testemunho daquilo que somos e de onde vimos.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 20, quinta-feira, 19 de junho de 2025, p. 17)
