segunda-feira, 31 de março de 2025

INTERAÇÃO FILOSÓFICA ENTRE EÇA DE QUEIRÓS, LUÍS DE CAMÕES E CAMILO CASTELO BRANCO.

 O Eça, da nossa Biblioteca Particular, já tem companhia. Quem mais poderia ser se não o Camões. De forma “curta e grossa”, resta-nos esperar pelo Camilo Castelo Branco, parceiro ideal para ambos, tendo em conta que o que temos, deste último, é uma miniatura pouco visível à dimensão do autor do “Amor de Perdição”. O diálogo foi estabelecido, quando menos contávamos. Principalmente pelo arrojo da figura mais diminuta, morador um pouco mais acima, consideramos a possibilidade de o procurarmos entre os parceiros que nos possam atender através da sua benevolência.

Juramos a pés juntos que os ouvimos com a maior das atenções.


No recanto solene de uma das nossas estantes, onde as páginas sussurram histórias e o pó carrega o peso do tempo, três vultos da literatura portuguesa ganham voz e presença.

Luís de Camões, altivo, de olhar penetrante, ainda que só de um olho, fita os companheiros com a intensidade de quem viu mares e batalhas, e profere com gravidade:

— Pois bem, aqui estamos. Eu, que cantei glórias e desventuras de um povo errante, vejo agora os meus versos repousarem ao lado de dois mestres da pena. Dizei-me, Eça e Camilo, que destino tem hoje a literatura? Ainda há espaço para a verdade ou apenas para a conveniência dos tempos?

Eça de Queirós, com a ironia sempre afiada, ajeita os punhos da casaca e responde:

— Ah, meu caro Camões, hoje há espaço para tudo e para nada. A literatura, outrora espelho das sociedades, tornou-se ora entretenimento fugaz, ora manifesto de ideais que pouco dizem à essência humana. Mas não sejamos pessimistas: o que é bem escrito sempre há de sobreviver às eras. Afinal, não é por acaso que ainda discutimos estas questões entre o couro e as lombadas desta Biblioteca Particular.

Camilo Castelo Branco, cruzando os braços, sorri com desdém e completa:

— Ora, ora, Eça, tu e a tua mania do realismo... Como se o mundo pudesse ser explicado em meras descrições de costumes! A literatura não é um espelho da sociedade, mas sim um teatro da alma humana! É no drama, na paixão e no desespero que se encontra a verdade! Eu próprio não escrevi «Amor de Perdição» apenas por vaidade, mas porque a dor é universal, é eterna! Camões, vós sabeis bem disso, não?

O poeta suspira e assente:

— Dor e glória andam de mãos dadas. Mas pergunto-vos: se hoje o mundo se esquece da verdade e da beleza da palavra, que podemos nós, espíritos impressos em papel, fazer senão aguardar leitores que nos compreendam?

Eça sorri com malícia:

— Ora, Camões, sempre haverá leitores curiosos, ainda que poucos. E se há algo que nos une, além do brilho das letras, é que o tempo nos fez imortais. O que escrevemos atravessa as marés da ignorância e ressurge onde menos se espera. Afinal, as miniaturas que nos representam nesta estante são pequenas no tamanho, mas imensas naquilo que carregam.


E assim, entre a ironia de Eça, o dramatismo de Camilo e a altivez épica de Camões, o tempo segue seu curso, e os três vultos, em sua conversação filosófica, permanecem vivos onde quer que nos aventuremos a abrir-lhes as páginas!