quarta-feira, 1 de junho de 2016

«O Eco dos Sedimentos» em Boaventura Rodrigues Silva!

«Os pensamentos são velhos, novos são os rios dos que nos induzem ao pensamento».

Boaventura Rodrigues Silva

Não há encontros ocasionais. Nem empatias. É uma questão energética!
Há muito que devíamos o testemunho arrancado ao silêncio e à escuridão, aqui pelas páginas impressas deste filho herdado (ADN positivo) do bom amigo Gualter Bacelar. A última vez que o fizemos foi em finais de Setembro do ano sétimo deste milénio, com Os Meninos do Rio, altura em que elegemos o nosso rio para confidenciarmos, desabafarmos, amarmos em silêncio, longe das penumbras, das noções articuladas do SER, do movimento nuclear das premeditadas antropodiceias (excitantes e excitadas no “bem-estar” de então), do estar e fluir nas defecadas paragens, impregnadas pelos “cabaneiros” sem arribanas, mas senhores do seu nariz, com paragem obrigatória em Terras da Nóbrega, qual Jardim dos Poetas nos faria ignorar a saudável “algazarra” dos meninos do rio.
Escrevemos na altura que os ditos “meninos” nasceram junto ao rio e vivem para ele, mergulhando, flutuando e nadando como peixes prateados, unidos, solidários e vocacionados para a necessidade lógica de “dominarem” o seu próprio universo. Hoje, por certo, terão ultrapassado as vinte e muitas translações e gravitarão por outras paragens e outros rios. Ou, quiçá, outros mares!


Boaventura Rodrigues Silva, homem nato em Terras da Nóbrega, aspergido com água benta em Touvedo, sob o domínio de um Salvador, há mais de sessenta translações, também ele Menino do Rio, se fez Homem sob um “fio-de-prumo” que o faria vir a sentir medos sem os escrever, a não louvar hipocrisias, aprendendo a amar o uivo dos ventos e a fúria dos mares, que condicionam os tempos. Tomamos-lhe por empréstimo o seu «Eco dos Sedimentos», eco espaço impresso por altura em que falamos dos Meninos do Rio, nossa décima nona crónica do “Átrio e do Lethes” (NB, Ano XXXI, n.º 952, 26 de Setembro de 2007), porque envolvidos por similares “Maleitas das Paixões” endeusadas por “Vénus”: «…Não sois lindas mulheres / Sois maravilha!... / Mas prodigiosos e belos / Corpo e pernas / Boca e seios / São os da mulher / Minha mãe…» (p. 23); por noites alucinantes que nos acordam e nos incitam à pueril rebeldia: «…Noites eivadas / De abutres / Piando e pairando / Sobre nossos corpos / Exaustos de tantas / Entregas…» (p. 35), cheias de erotismo, exotismo, coqueiros e Baía; ou por uma cabana e pelos beijos: «Como pincéis embriagados / De tinta pueril / Poisavam à porfia / Sobre o pedaço do mapa / Do teu corpo…» (p. 42).
Pelo «Eco dos Sedimentos» de Boaventura, perpassam ainda aulas de experiência; maturações, onde o esmagamento agita ainda mais a docilidade; búzios que as marés ousam beijarem; lodos petrificados, assentes no ontem, hoje e amanhã, por forma a estriparem o silêncio nocturno; ARTE, onde não importa saber o artista, dado o mesmo morar em sua obra; negação de voltar a ser menino outra vez; virtudes e suplícios; fazedores do pão; impérios da saudade; meninos do azar: «…Por isso é que / Vegetam / Tantos meninos / Sem arrimo / E não há / Cobertor que / Quebre o gelo / Aos meninos / Do desamor» (p. 63); crisântemos e chaves, esquecidas, com as quais alguém, ao fazer amor sem Amor, acabaria por expugnar «todos os recantos e pecados indizíveis…». Poesia sofrida, mas combativa e indobrável. Cepticismo de um homem simples? Talvez não, dado que, mormente, por trás de uma aparente simplicidade, transfigura-se um homem, geneticamente libertário.     
Como vês, Boaventura, também nós, nada te devemos, porque não acreditamos no acaso, mas na VONTADE, em obediência à qual, com esforço, nos forjamos coléricos, fazendo-nos também fortes, neste “Oceano” de aparências, cujo interior agitado, procura ostracizar-nos. Antes Meninos do Rio que “pajens” de poderes instituídos, porque, no teu dizer, temos a coragem de dizermos NÃO com irreverência à opulência, conscientes de que a “Revolução” começa em nós.
       Continua assim, Amigo/Irmão Boaventura Rodrigues Silva, mesmo que tenhas o «corpo cansado / Do tabaco, de cantigas / Coração despedaçado / Por amor de raparigas…». Conta connosco, hoje e sempre!

(In, «Crónicas do Átrio e do Lethes 21» - Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1245, 30 de Maio de 2016, p. 11)

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