sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Alvíssaras bartolomeanas para o «Notícias da Barca»!...

«A bem da verdade, pouco se sabe acerca de Bartolomeu, salvo o facto de ser mencionado em todas as listas dos doze apóstolos que surgem no Novo Testamento…»

The Book of Saints

Perguntar-nos-ão do porquê desta dicotomia entre o S. Bartolomeu e o “Notícias da Barca”, tendo em conta possíveis contraditórios ou antagonismos. Esta nossa deambulação resulta apenas de factores naturais, desprovida de factos comprometedores e/ou provatórios. Sabemo-lo por alguns analistas que Bartolomeu, apesar de se saber muito pouco da sua vida, é identificado como sendo Nataniel Bar-Tolmai, filho de Tolmai, apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe. Terá evangelizado na Mesopotânea, na Pérsia e possivelmente na Índia, embora os relatos do seu horrendo martírio, preso e condenado por difundir o Cristianismo – esfolado vivo antes da decapitação –, nos transportem ao espaço físico de Derbend (Albanópolis), na Arménia Superior, nas margens do mar Cáspio. Daí, o seu ícone apresentar-se umas vezes vestido, outras vezes esfolado, com a sua pele no braço.
Para as pessoas ligadas ao esoterismo, o desprendimento da pele tem um significado de renovação, um elevado sentido metafórico. Aliás, a serpente que nós vemos como símbolo das farmácias era para os egípcios, e continua a ser para os esotéricos, símbolo de sabedoria. Ao renovar a pele, rejuvenesce-se e renova-se interiormente. Para além disso, S. Bartolomeu tem como atributo a faca com que foi esfolado, e, raramente, um demónio encadeado, como é o caso do de Ponte da Barca, enclausurado em capela do séc. XVIII, que se nos apresenta vestido, com a faca (martírio) na mão direita e o livro das Sagradas Escrituras (evangelização) na mão esquerda.


Daí compreendermos toda essa apreensão, dado que muitas são as interpretações e as conveniências emocionais. Em Esposende, por exemplo, mais concretamente na freguesia de Mar, o frango funciona como um corolário de oferta ao santo. A não ser que, à razão da prática de o povo oferecer aquilo que tinha em casa, se sobreponha a extra-sensorial simbologia da decapitação e do esfolamento como renovação, pelo sangue derramado. Mas, como poderão compreender, não vamos entrar por aí. Infelizmente, nos últimos tempos, isto tem sido indecentemente explorado, principalmente por pessoas que não estudam convenientemente de uma forma séria este fenómeno, a ponto de classificarem isto como uma frustração e um desmoralizante paganismo. Convém salientar, e para terminar, que o culto a S. Bartolomeu perde-se no tempo, encontrando-se vários elementos nesta festividade que nos reportam ao pré-cristianismo, através da água como símbolo da purificação, e ao cristianismo, através do baptismo, em muito associado à purificação. E como é inevitável, aparece sempre um pouco de superstição. Mais que não seja, o culto a S. Bartolomeu deve continuar a existir até para conservar o culto da água, um dos elementos essenciais à nossa vida. Daí, a nossa anterior sugestão de estabelecer pontes com a água (baptizados da meia-noite) e o vinho (água transformada em vinho) das Bodas de Canaã, cuja tradição liga-as a S. Simão, como sendo o jovem noivo, com capela na outra margem, situada no topo de suave ondulação de terreno inculto, pertencente a uma quinta de produção vinícola.
Sigam pois as rusgas e a pele renovada do jornal que há quarenta e um anos, se tem mantido fiel às tradições, à opinião desempoeirada e à defesa dos interesses e anseios das populações da região. Rejuvenescimento e renovação constantes, precisam-se. Tal como diria Schiller «o homem que se domina a si mesmo, liberta-se de um poder que o acorrenta, e que escraviza quase todas as pessoas». Por isso, deixem andar o demónio à solta. O demónio que está muitas vezes dentro de nós.
      Um bem-haja a ambos: S. Bartolomeu (em representação do povo) e «Notícias da Barca», seu arauto!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1252, 19/24 de Agosto de 2016, p. 18 - Crónicas do Átrio e do Lethes-27)

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

«Agramonte: ou o mundo astral dos profetas» (2012) e os incêndios nos tempos de hoje!


Lá ao longe a floresta ardia. Sentia-se o cheiro a eucalipto queimado. O monte de S. Lourenço parecia um inferno. Não é que estivessem motivados para divagarem – com a construção e a força das palavras – por entre os escombros e as desgraças alheias, que sentissem alguma apreensão acerca da catástrofe reinante no país. Mas, também não podiam ficar indiferentes ao manifesto espírito de revolta (com razão) de quem sente na pele a apatia dos governantes, soletradores de promessas em tempo de “campanhas” e muito pouco fora delas. O país estava a arder, quando haviam sido prometidos planos económicos e revigoradas “Protecções Civis”, mão pesada para os criminosos e uma maior segurança das riquezas naturais, quase os únicos garantes de subsistência da maioria dos portugueses. E ainda havia quem achasse estranho que, no meio de tanta desgraça (com perda de pessoas e bens), houvesse alguém que apelasse a vinda de Salazar!


Era ali que a democracia estava em perigo. A desorientação era total. O planeamento do território, o aproveitamento dos recursos naturais, os incentivos à economia rural – que bem poderia passar pela limpeza e conservação das matas – davam lugar à preocupação economicista do pagamento do déficit e das balanças económicas impostas por quem cresce à custa das desgraças alheias. Salazar matava-nos à fome, mas mantinha as matas limpas!... – dizia um dos muitos revoltados, face à inércia dos democratas de hoje, que nos vão enganando com a barriga cheia, em deficiente alimentação e de costas viradas às reais potencialidades económicas do país. Isaías e Anne tinham consciência de que a democracia estava em perigo se mantivessem este tipo de política de subserviência aos interesses económicos de outros, aqueles que se estão “borrifando” para a produção leiteira, florestal ou mesmo industrial dos portugueses.
Para eles, os incêndios eram o corolário da inércia dos nossos políticos.
Não nos venham dizer que – como afirmou aquela senhora dirigente de um parque natural – o mal reside no povo que não cuida das suas matas, marcada espectaculosidade dos seguidores de “Pilatos”... Bem que podem lavar as mãos na água barrenta das cinzas – murmurou Isaías, contemplando o horizonte devastado pelas chamas. 
Isaías! Mas, afinal, quem é que pagou aos portugueses para cortar as suas vinhas, abater as cabeças de gado para produzir menos leite e deixar crescer mato em campos de cultivo? Era de tradição “astrar” as cortes com o mato roçado. A biodinâmica perdeu-se com o estrangulamento perpetrado pelas economias ditatoriais, onde o plástico é alimento.


O país estava a arder e a democracia em perigo. Teria que haver coragem para reconhecer as fragilidades e as incompetências. Serenamente!
Ainda ambos debatiam, entre grupos de amigos, a tragédia que avassalava – e tem avassalado – o país, quando leram em bom tom num matutino nacional que o arq.º Ribeiro Teles alertava para o facto de que seria um erro calamitoso se a reflorestação das áreas ardidas fosse feita como antes. Essa figura pública, tal como lhe era peculiar, punha o dedo na ferida, a ponto de reforçar as suas modestas opiniões.
Se alguém poderia ficar escandalizado com as afirmações proferidas na Tasca do Zé do Inácio, de que os incêndios são corolário da inércia dos políticos, depressa se molestariam com o modelo defendido pelo arq.º Ribeiro Teles, onde a floresta ideal deveria ser uma mata completamente integrada no sistema agrícola. A sua “teoria” faria aumentar ainda mais a indignação e a “revolta” daqueles que pensavam de igual forma: Todas estas regiões que são hoje pinhal e eucaliptal, que têm aldeias e pessoas a viver dentro, não devem continuar a ser exclusivamente uma floresta. Era o sinal dado por uma das mais avalizadas – senão a mais avalizada – vozes do “Ambiente” em Portugal. As palavras acabaram por atenuar o pressuposto sentimento de revolta pela interrogada afirmação de quem havia pago aos portugueses para cortar as suas vinhas; abater as cabeças de gado para produzir menos leite; e deixar crescer mato em campos de cultivo...


Isaías e Anne tinham a plena convicção de que o ordenamento do território é da responsabilidade dos políticos, articulando com gente que sabe e tem, verdadeiramente, sensibilidade para estas melindrosas questões. Poder-se-ia discordar da expressão viva dos sentimentos de revolta, mas não era possível ficar indiferente quando vozes discordantes lhes provocavam alguma culpabilidade da causa-efeito dos erros cometidos. O arq.º Ribeiro Teles achava – e também eles achavam – que a floresta tem que ser simultaneamente agrícola: A mata deve ocupar as encostas mais declivosas; os vales devem ser aproveitados para a agricultura local; e os solos planálticos devem ser reservados para uma agricultura tipo vinha ou olival. Os matos devem, por sua vez, ser aproveitados também para a pecuária, bem como para a produção do mel, aguardente de medronho e, ainda, para as plantas aromáticas, que podem dar lugar a uma indústria de perfumes – diria Mestre Ribeiro Teles. Anne e Isaías só não entendiam o porquê de tanta indignação quando, convictamente, acreditavam que a biodinâmica perdera-se com o estrangulamento perpetrado pelas economias ditatoriais, onde o plástico é alimento. Por isso, persistiam na afirmação resultante da reflexão de que, enquanto se mantiver este tipo de política, a democracia estará sempre em perigo.

(In, SILVA, Porfírio Pereira da - Agramonte: ou o mundo astral dos profetas. Porto: Papiro Editora, 2012, p. 61-63)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

«Luzes de muito brilho: Figuras e Temas Limianos» em Cláudio Lima!...

«Ginzo do Lima, a raiana,
Da Galiza amena aldeia,
Onde o rio principia
A sua vida serrana,
O nome deu ao mortal
Que, longe da penedia,
Vem morrer, beijando a areia
Às praias de Portugal…»

António Ferreira

À parte de alguns devaneios menos comedidos no “acto solene” da apresentação do mais recente livro de Cláudio Lima, «Luzes de muito brilho: Figuras e temas limianos», para os quais em nada podemos assacar a este magnífico escritor e poeta, temperamos a nossa circunstancial indisposição (Ó maldita hérnia-discal!) com a certeza de que se “nuestros hermanos” fechassem o caudal do Lima – tamponando-o a conta-gotas –, a partir da Barca e até à foz estaríamos a beber da água do Vez e, na ponta final, quiçá, da Ribeira de S. Simão da Junqueira de Mazarefes, que foi Couto com posse acrescida em Terras de Paradela, banhadas pelo mesmo rio que nos viu nascer, apesar de a partir das três translações passarmos a beber água do “Bengo”.
Devaneios nossos também à parte, jamais nos deixaremos condicionar por imperativos de acantonamento, principalmente quando os escritores, ao atingirem determinado patamar, se extravasam para lá da condição de “meninos do rio”. Esse é o caso de Cláudio Lima, o menino Manuel da Silva Alves, de Calvelo, que cedo se aventurou por outras paragens até atingir a maturidade intelectual e prosperidade na adversidade, resignando-a. E se Montapert o disse que «o homem é corpo, intelecto, espírito, e tudo isso deve evoluir paralelamente para uma vida bem-sucedida e equilibrada», Cláudio Lima, porque não vive da ociosidade, já há muito que se libertou da ferrugem que consume mais que o trabalho. Isto, se tivermos em linha de conta que a ociosidade é como a ferrugem. Tal como um dia escreveu José Hermano Saraiva, «uma chave de que todos os dias nos servimos, anda sempre limpa e polida», Cláudio Lima é essa chave que, a par de outras, não necessita de rotulações maiores para ser um dos maiores entre os maiores. Sancta simplicitas!


Falando agora do «LUZES DE MUITO BRILHO: Figuras e Temas Limianos», estaremos em dizer que temos entre mãos mais uma magnífica – estético-literariamente falando – obra de Cláudio Lima. Ainda que o seu conteúdo seja o resultado da recolha de uma série de pequenos textos de ensaio ou intervenção, proferidos e/ou publicados “em vários momentos e afectos a várias celebrações, tendo por nexo estrutural o simples facto de abordarem temáticas limianas. Como configuram uma sequência dos trabalhos coligidos em Um rio de muitas luzes (2005) confiro-lhes agora um título de feição sequencial: Luzes de muito brilho.” – citamos de “breve nota” do autor.
A metáfora da LUZ, com capa (extensiva à contracapa) extraordinariamente bem conseguida, do grande artista da imagem Amândio Sousa Vieira, confere-lhe o lado místico ou metafísico, à boa maneira platonista: «o Bem está para a inteligência e para o inteligível, no mundo da realidade inteligível, como o sol para a vista e para o visível, no mundo da realidade visível» (República, 508c). As alegorias da linha e da caverna convergem no aprofundamento da metáfora da LUZ, sendo que em Cláudio Lima funciona como fonte ou factor de conhecimento, de memória e de expressão (ou manifestação escrita) da verdade. Preferimos a “Luz de muito brilho” à metáfora dos “faróis” em Baudelaire.
Apesar de Vasco Rodrigues de Calvelo, Domingos Tarrozo, António Feijó, Campos Monteiro, Queiroz Ribeiro, João Marcos, António Manuel Couto Viana, Luís de Sousa Dantas, entre outros, serem os faróis que brilham acima do tempo e que continuarão eternamente sendo objecto de admiração, de estudo e de inspiração para todos os artistas, Cláudio Lima imprime-lhes uma Luz própria, peculiar até, num ritmo aliciante e uma linguagem profundamente melodiosa. Sim, concordamos com expressão de “autor imparável”, e ainda que nos tornemos repetitivos no decalque, fazemos nossas as palavras escritas de Maria de Lourdes Brandão: «Cláudio Lima escreve com o coração. O acaso fez com que nascesse em Ponte de Lima. É português, nortenho, limiano até à medula, um homem fortemente ligado às suas raízes…». Plenamente de acordo. A sedução, a nostalgia, o amor profundo à terra que o viu nascer e aos vultos que lhe dão corpo, palpitam e eternizam-se através da saudável (porque bem construída, escorreita) escrita de Cláudio Lima. «Faça-se a luz!» E a luz foi feita (2 Cor. 4, 6). Venham outras tantas “luzes de muito brilho”.
         NOTA MÁXIMA!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1251, 30 de Julho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-26)