«Os dias calam-se. A tua terra adormeceu. / A carne de agosto é morna agora. Tu voas / a tarde das aves que voando sossegam. Tu és / taciturna e tens no azul a fadiga do corpo. / As asas cansadas, de vento suave adejam. Sonham. / Tu sabes que as aves sonham. Não. Não te vou falar / das madrugadas. A luz nova das formas move-se / caindo de sombra…»
Fernando Hilário
(In,
A Exposição da Luz, p. 17)
Estamos de volta – no momento em que iniciamos a leitura d’A EXPOSIÇÃO
DA LUZ de Fernando Hilário, editado em Aveiro (2016), sob a chancela da
«adverte: publicidade edições» –, numa de «abstração reflexiva», processo que
incide sobre as nossas próprias ações ou operações cognitivas, dando por nós a
termos um dia sonhado, em sermos diretor de um “Centro (Cultural) de Objetores
de Consciência” qualquer, pondo mesmo as estruturas cerebrais a serem
candidatas a desempenharem a função de comparação e de deteção de erros: «Quem
sobre a imobilidade das noites dorme / não ouve os sinais que flutuam nas
palavras / nem lhes escuta o azul dos risos…» (Hilário, 2016: 16).
E se assim sonhamos, o fator de produção da ação cognitiva (sonhadora)
acabou por encobrir uma inevitável dificuldade de fundo, só porque essa ação se
construiu de maneira implícita e não de maneira consciente. Resta-nos o sonho
da inevitável «aposentação interior-compulsiva», por vontade própria,
antes que a responsabilidade da ação implícita possa vir a ganhar contornos de
humilhação.
Sem maquilhagem, apenas com a necessária correção ótica – extensão,
enquanto porção de espaço ou característica dos corpos de se situarem no espaço
e dele ocuparem uma parte –, por forma a procurarmos o argumento ontológico de
vencer a distância que separa o possível do real ou a lógica da existência,
enquanto contingência da nossa própria liberdade. Será sempre através dos
nossos atos e opções, fazendo a distinção entre experiência (padrão ideal),
investigação ativa e metódica, que decidiremos o sentido que pretendemos dar à
nossa vida.
E ainda há quem acredite que possa viver, única e exclusivamente, do
banho das multidões. Antes o lado platónico de Mónada, como forma de designar a
ideia enquanto realidade una, sempre idêntica a si própria e incorruptível.
Olhos nos olhos, com ou sem gasóleo no carro ou templo que nos transporta a
mente.
Por vezes é preferível falar com os livros, reconhecendo o silêncio
sobre a área vazia do nosso refúgio criativo e de leitura (sombra sem ser
assombrado), sonhando com um mundo para além deste: «(…) Uma extensão / de
rio, um leito sobre um árido profundo, parado. Um fundo / suspenso na origem do
frenesim das mãos. Reconheço / os alvores das morfologias, o azul a despertar
da luz / abraçada à luz…» (Hilário, 2016: 40).