quinta-feira, 20 de outubro de 2016

«Obsessão Ocidental: o problema da causalidade mental» aos olhos de William James!...

«William James afirma que uma ideia verdadeira não é uma simples cópia da realidade. É quando uma ideia é um guia útil para acção e está de acordo com a realidade, que ela é verdadeira…»

Élisabeth Clément [et al.]

Porque andamos preocupados e, circunstancialmente, envolvidos pelo estudo da “interpretação e indiscernibilidade”, recorrente de uma necessidade de espairecer a própria consciência, a nossa rede de segurança assenta – ou alicerça-se – na leitura de William James (1842-1910), filósofo e psicólogo norte-americano pioneiro, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores do pragmatismo.
Se tomarmos em linha de conta a imagem científica do mundo, depressa concluiremos que todos dependem de uma imagem científica desse mesmo (nosso) mundo. O mapa do problema de William James é claro na indicação do curso da acção. Duas histórias correm lado a lado com fidelidade: Uma das histórias só tem sentido contra a outra se exercer uma função útil.
A sequência de pensamento jamesiano pode ser melhor compreendida pelo fim. Suponha-se que, de facto, existe uma influência causal da consciência no sucesso biológico dos indivíduos. Tomando como pano de fundo a ciência moderna, somos obrigados a concordar que ainda hoje nos mantemos enredados em três pertinentes interrogações: Como identificar a influência causal?; Quais os sinais que revelam essa influência causal?; Se essa influência causal existe, como denuncia a sua presença? – que nos obrigam, hermenêuticamente falando, a saber interpretar sinais, nomeadamente os da consciência. Assim sendo, e parafraseando William James, a manutenção de um registo de memória ao longo do tempo de vida do indivíduo é um início da presença da consciência; os indivíduos biológicos em que a distinção entre dor e prazer é conspícua têm mais probabilidades de sobrevivência do que os indivíduos em que essa distinção é inexistente; um nível X de complexidade organizacional dos cérebros é condição suficiente para identificar a presença da consciência; e os sentimentos de paixão amorosa revelam a influência causal da consciência na vida dos sujeitos.


O problema jamesiano da procura de sinais da eficiência causal da consciência não está encerrado numa colecção finita de situações padronizadas. Assim, a referência aparentemente excepcional do ser humano adulto consciente é um esquema de interpretação da presença da consciência entre muitos outros esquemas. Por isso, para este filósofo e psicólogo norte-americano, não existe nenhum princípio racional a partir do qual se possa avaliar todas as situações de identidade entre sujeitos conscientes (autistas vs. pacientes da síndrome do locked in, lobotomizados vs. microcéfalos, professores universitários vs. apanhadores de coral, etc.) e entre estados de consciência (depressão vs. alegria, sonho lúcido vs. insónia, actividade racional vs. vergonha, etc.). A haver esse princípio, ele teria que ser interpretado.
O resultado da procura dos sinais de consciência é ambíguo. Ou seja, partimos do que é suficientemente bom para poder ser interpretado como consciente (Ex: quando alguém toma uma atitude socialmente reprovável é característica a expressão – És um inconsciente!) e reforça-se no que é indiscernível de uma experiência subjectiva que se toma provisoriamente como padrão (a do próprio sujeito) – Para nós, hoje, é indiscernível a corrupção e prática da Inquisição; a pena de morte; a escravatura actual, etc. As experiências subjectivas de um único sujeito são constantemente interpretadas e comparadas e, também a seu respeito, não existe um critério absoluto. Por exemplo, uma coisa é aquilo que eu sou, outra coisa é aquilo que julgo que sou. Se eu não me conheço em função da minha consciência – e/ou equilíbrio pessoal –, como poderei desenvolver a minha urbanidade desde a família à sociedade?
Um indivíduo para que possa saber que está consciente tem que identificar sinais e essa é uma actividade em linha de continuidade com processos como o da identificação de rostos de pessoas suas conhecidas. Conteúdos parciais da consciência, como actividade racional, sonho, depressão, ou sentimento amoroso, são interpretados e os seus sinais não são tão evidentes que não necessitem de um inquérito racional (Sonhar é um estado da consciência – por isso é que há a interpretação imediata dos sonhos). A apreensão que a consciência faz de si mesma para ser tão imediata que não necessita de processos de interpretação de sinais. Uma das características principais da consciência é a da verificação de inconsistências nas avaliações de identidade, seja a própria, seja a de outros seres humanos. Ter sensações subjectivas significa, entre muitas coisas, que alguns sinais, eventos, estruturas e conteúdos, são interpretados como fazendo parte do si mesmo e outros como não fazendo parte do si mesmo.
O elemento comum à normalidade e à patologia é a possibilidade do erro que acontece na interpretação de sinais ou indícios. O ponto interessante é o de que todos têm de fazer interpretações porque o referente da palavra que utilizam – “consciência” – não pode ser acedido sem a actividade de interpretação. O grau mínimo da interpretação começa por ser a observação, isto é, o ponto em que se contacta com o objecto a interpretar. Não há interpretações universais tal como não há actos de observações neutros.
Por hoje, aqui fica a nossa partilha. Consciente e pragmática.
         Até à próxima!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1255, 20 de Outubro de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-30)

Sem comentários:

Enviar um comentário