Inevitavelmente estamos condicionados
(conscientemente pleno das nossas faculdades cognitivas) pela assoberbada
paixão de viajar através dos livros, autênticos passaportes para a nossa
interacção com os autores, os lugares e as personagens, sem esquecer as tramas
e as mensagens a apreender.
Ao gostarmos de conversar, vamos
seleccionando as nossas leituras e os nossos autores, principalmente aqueles
que possam acrescentar algo à nossa "douta ignorância". A noite de
ontem, 22 de Abril de 2016, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal de
Viana do Castelo, estivemos à conversa com João Ricardo Pedro, Prémio Leya 2011
(com «O Teu Rosto Será o Último») tendo como mote o seu segundo livro «Um
Postal de Droit», um regresso à ficção, onde encontramos o espelho da nossa
condição humana e “a ténue fronteira que existe entre sanidade e loucura e os
laços perturbadores que tantas vezes unem a vida à arte”.
João Ricardo Pedro consegue aliviar-nos
das tragédias, através de uma mochila encontrada nos destroços de um acidente
de comboios, revitalizando-nos o subconsciente com o humor e figuras
inesquecíveis: Em Setembro de 1985 dá-se
um choque frontal de comboios em Alcafache. Algumas das vítimas mortais, presas
nas carruagens a arder, nunca chegam a ser identificadas. No dia seguinte, a
mãe de Marta recebe um inesperado telefonema informando que a mochila da filha
– estudante de Belas-Artes – apareceu entre os destroços – lê-se em
sinopse.
É a partir dos cadernos de desenho de
Marta – uma espécie de diários visuais que espelham um quotidiano tão depressa
sórdido como maravilhoso –, João Ricardo Pedro, tal como aconteceu a Silvana,
faz-nos entrar no quarto da Marta (a mesma que desenhava à vista de todos,
ostentando orgulhosa, o seu talento, e os cadernos…), por forma a desfazermos a
cama, virarmos o colchão ao contrário, trocarmos os lençóis, a fronha da
almofada, o cobertor de lã por uma manta mais fresca, de algodão. A melancolia
e o acabrunhamento de Marta, “a Marta que ficava tardes inteiras escarrapachada
no sofá da sala a ver televisão, a esvaziar pacotes de batatas fritas e tijelas
de pipocas”, serve-nos de ponte emocional à arte criativo-literária de João
Ricardo Pedro, quando nos dá a conhecer – vestido na pele de um narrador – um leque
de figuras absolutamente inesquecíveis, entre as quais se contam prostitutas, boxeurs, polícias e assassinos, mas
também anjinhos de procissão, médicos e senhoras da caridade. Quiçá, o
paradigma das mulheres e dos homens duplicados.
E por aqui ficamos, sem que antes
manifestemos a nossa positiva expectativa acerca de todas as páginas do livro. Num
acto contraditório à interpelação do autor (à página 193), jamais deitaremos
fora as expectativas ou livro.
Inevitavelmente, um autor que passaremos
a seguir de perto, mas como até aqui, e à semelhança de outros...
Discretamente.
Obrigado, pela noite maravilhosa que nos
proporcionaram!
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