«William James afirma que uma ideia
verdadeira não é uma simples cópia da realidade. É quando uma ideia é um guia
útil para acção e está de acordo com a realidade, que ela é verdadeira…»
Élisabeth Clément [et al.]
Porque andamos preocupados
e, circunstancialmente, envolvidos pelo estudo da “interpretação e
indiscernibilidade”, recorrente de uma necessidade de espairecer a própria
consciência, a nossa rede de segurança assenta – ou alicerça-se – na leitura de
William James (1842-1910), filósofo e psicólogo norte-americano pioneiro,
considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores do pragmatismo.
Se tomarmos em linha de
conta a imagem científica do mundo, depressa concluiremos que todos dependem de
uma imagem científica desse mesmo (nosso) mundo. O mapa do problema de William
James é claro na indicação do curso da acção. Duas histórias correm lado a lado
com fidelidade: Uma das histórias só tem sentido contra a outra se exercer uma
função útil.
A sequência de
pensamento jamesiano pode ser melhor compreendida pelo fim. Suponha-se que, de
facto, existe uma influência causal da consciência no sucesso biológico dos
indivíduos. Tomando como pano de fundo a ciência moderna, somos obrigados a
concordar que ainda hoje nos mantemos enredados em três pertinentes
interrogações: Como identificar a influência causal?; Quais os sinais que
revelam essa influência causal?; Se essa influência causal existe, como
denuncia a sua presença? – que nos obrigam, hermenêuticamente falando, a saber
interpretar sinais, nomeadamente os da consciência. Assim sendo, e
parafraseando William James, a manutenção de um registo de memória ao longo do
tempo de vida do indivíduo é um início da presença da consciência; os
indivíduos biológicos em que a distinção entre dor e prazer é conspícua têm
mais probabilidades de sobrevivência do que os indivíduos em que essa distinção
é inexistente; um nível X de complexidade organizacional dos cérebros é
condição suficiente para identificar a presença da consciência; e os
sentimentos de paixão amorosa revelam a influência causal da consciência na
vida dos sujeitos.
O problema jamesiano da
procura de sinais da eficiência causal da consciência não está encerrado numa
colecção finita de situações padronizadas. Assim, a referência aparentemente
excepcional do ser humano adulto consciente é um esquema de interpretação da
presença da consciência entre muitos outros esquemas. Por isso, para este
filósofo e psicólogo norte-americano, não existe nenhum princípio racional a
partir do qual se possa avaliar todas as situações de identidade entre sujeitos
conscientes (autistas vs. pacientes da síndrome do locked in, lobotomizados vs. microcéfalos, professores
universitários vs. apanhadores de
coral, etc.) e entre estados de consciência (depressão vs. alegria, sonho lúcido vs. insónia, actividade racional
vs. vergonha, etc.). A haver esse
princípio, ele teria que ser interpretado.
O resultado da procura
dos sinais de consciência é ambíguo. Ou seja, partimos do que é suficientemente
bom para poder ser interpretado como consciente (Ex: quando alguém toma uma atitude socialmente reprovável é característica
a expressão – És um inconsciente!) e reforça-se no que é indiscernível de
uma experiência subjectiva que se toma provisoriamente como padrão (a do
próprio sujeito) – Para nós, hoje, é indiscernível a corrupção e prática da
Inquisição; a pena de morte; a escravatura actual, etc. As experiências
subjectivas de um único sujeito são constantemente interpretadas e comparadas
e, também a seu respeito, não existe um critério absoluto. Por exemplo, uma
coisa é aquilo que eu sou, outra coisa é aquilo que julgo que sou. Se eu não me
conheço em função da minha consciência – e/ou equilíbrio pessoal –, como
poderei desenvolver a minha urbanidade desde a família à sociedade?
Um indivíduo para que
possa saber que está consciente tem que identificar sinais e essa é uma
actividade em linha de continuidade com processos como o da identificação de
rostos de pessoas suas conhecidas. Conteúdos parciais da consciência, como
actividade racional, sonho, depressão, ou sentimento amoroso, são interpretados
e os seus sinais não são tão evidentes que não necessitem de um inquérito
racional (Sonhar é um estado da consciência – por isso é que há a interpretação
imediata dos sonhos). A apreensão que a consciência faz de si mesma para ser
tão imediata que não necessita de processos de interpretação de sinais. Uma das
características principais da consciência é a da verificação de inconsistências
nas avaliações de identidade, seja a própria, seja a de outros seres humanos.
Ter sensações subjectivas significa, entre muitas coisas, que alguns sinais, eventos,
estruturas e conteúdos, são interpretados como fazendo parte do si mesmo e
outros como não fazendo parte do si mesmo.
O elemento comum à
normalidade e à patologia é a possibilidade do erro que acontece na
interpretação de sinais ou indícios. O ponto interessante é o de que todos têm
de fazer interpretações porque o referente da palavra que utilizam – “consciência”
– não pode ser acedido sem a actividade de interpretação. O grau mínimo da
interpretação começa por ser a observação, isto é, o ponto em que se contacta
com o objecto a interpretar. Não há interpretações universais tal como não há
actos de observações neutros.
Por hoje, aqui fica a
nossa partilha. Consciente e pragmática.
Até à próxima!
(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1255, 20 de Outubro de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-30)
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