quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Amândio Sousa Dantas (1944-2022): O inspirado vate limiano deixou-nos!

A água é o fogo do poema

nenhuma sede na corrente,

só fogo e água

eis quando o amor nos aceita

pela sua morosa noite,

nada mais pode fazer

do que arder em lágrimas…

 

Amândio Sousa Dantas 


Quando menos contamos, o impensável acontece. A nossa estrutura mental reveste-se de algo profundamente enigmático. É como o sentir de um abatimento ou aflição; experimentar continuamente tristeza, ansiedade, ânimo muito baixo ou sensação de vazio. No fundo, um sentimento de que a vida não tem sentido nem valor, que nada tem de interesse. A letargia, fadiga ou sensação de não termos energia, retiraram-nos a serenidade e, subsequentemente, leva-nos ao pessimismo e perda de esperança; à baixa autoestima e ao sentimento de culpa. Pois é, ilustre amigo e Poeta Amândio Sousa Dantas (1944-2022), hoje fomos acometidos de uma dor profunda, um impacto desnecessário de desesperança e pessimismo. Não era previsível este desfecho; esta diminuição de energia, fadiga, esgotamento e sensação de estar em «câmara lenta».

Algumas pessoas questionar-se-ão do nosso persistente atrevimento em falar deste inspirado vate limiano, quando já o fizemos por inúmeras vezes, nomeadamente numa das nossas crónicas, neste mesmo jornal – a propósito da sua magnífica Antologia Poética, Poemas Sem Fim (1994-2006), onde reúne as suas obras: Perfeito chão de voar (1994); Sombras e ramos sobre o peito (1997); Infinita é toda a nascente (1998); Há uma eterna liberdade (2000); O instante é a tua face no poema (2001); Pousado no silêncio (2003); e, No ombro o orvalho (2006) – e no “Anunciador das Feiras Novas, onde o batizaríamos de «Um Poeta Mesológico do Lethes e do Mundo».

Na altura, fizemos questão de salientar que sempre soubemos perscrutar-lhe a alma, porque o sentimos possuidor das três distinções mais imediatas e óbvias do mundo da mente: o “Puro Intelecto”, o “Gosto” e o “Sentido Moral”, parafraseando Edgar Allan Poe quando afirma que “da mesma maneira que o Intelecto se preocupa com a Verdade, assim o Gosto nos informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se responsabiliza pelo Dever”. Achamos que, pelo ajuste das distinções, não serão necessários mais condimentos ou adjetivações para considerarmos Amândio Sousa Dantas, sem o acantonarmos ao nosso espaço geográfico e sem menosprezarmos outros poetas que tanto admiramos, um dos grandes poetas contemporâneos nacionais.

Tal facto, tendo em conta a nossa convincente afirmação (tão só, sedimentada pelo nosso gosto pessoal), permite-nos, ao mesmo tempo, formular alguma conceção especulativa no que concerne à “mimese poética” de muitos outros poetas – e poetisas – de quem gostamos. E não são poucos, tendo em conta que todos eles têm o seu lugar próprio na nossa perceção cognitiva – escolha de uma impressão, ou efeito, a ser transmitido (E. A. Poe) – de cada um. À sua vez, falamos de todos aqueles que, “poetando”, nos criam um estado emocional, uma saudável nostalgia ou uma sonorização melódica – sim, com certa musicalidade –, transmitindo partilha de pensamento (mesmo quando na dor), porque a poesia se repercute na linguagem humana, utilizada com fins estéticos, compreendendo mesmo aspetos “metafísicos”, no sentido de sua imaterialidade e da possibilidade de se transcender ao mundo fático.

No nosso último apontamento sobre «a prova do silêncio em Amândio Sousa Dantas», a propósito do seu [último] brado poético O SILÊNCIO DAS NUVENS, pensávamos nós na altura, em epílogo, ainda que através do nosso subjetivo sentir, aquele era o nosso “retrato do poeta”. O POETA a resgatar!

Hoje, sentimo-nos atraiçoados pelo “espelho mágico” da vida. Talvez pudéssemos ter feito algo mais pela noite que não dorme, / o sorriso do dia, / a vida de óculos escuros, / o sol fugidio... – no dizer do Poeta, no céu azul, no fogo, na ternura do mar, na nuvem, na tempestade, e o coração no éter, fórmula mágica que assegura o calor dos corpos e a função dos cinco sentidos, gravando todos os acontecimentos: MEMÓRIA.

Até sempre Amândio Sousa Dantas!

                                     (In, Cardeal Saraiva, Ano 113, n.º 4887, 23 de Dezembro 2022, p. 8-9)

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