quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ritos de passagem e liminaridade!

«Se queremos perceber os caracteres específicos do pensamento mítico, devemos pois demonstrar que o mito está, simultaneamente, na linguagem e além dela…»

Claude Lévi-Strauss

Segundo Victor W. Turner, a Liminaridade é a passagem entre o “status” e estado cultural que foram cognoscitivamente definidos e logicamente articulados. Apesar de expressar uma certa convicção de ambiguidade e de indeterminação no que concerne aos seus atributos, o mesmo autor afirma que os mesmos exprimem-se por uma rica variedade de símbolos, nomeadamente naquelas várias sociedades que, precisamente, ritualizam as transições sociais e culturais: Assim, a liminaridade frequentemente é comparada à morte, ao estar no útero, à invisibilidade, à escuridão, à bissexualidade, às regiões selvagens e a um eclipse do sol e da lua.
É o próprio Victor W. Turner que nos remete para Van Gennep, quando este definiu os «Ritos de Passagem» como os ritos que acompanham toda a mudança de lugar, estado, posição social e idade . Por exemplo, nessa passagem de um território para outro, Van Gennep considera que qualquer que passe de um para outro acha-se assim, material e mágico-religiosamente, durante um tempo mais ou menos longo em uma situação especial, uma vez que flutua entre dois mundos. Encontramos assim entidades liminares, entre outros, em neófitos nos ritos de iniciação ou de puberdade, de casamento, de fertilidade, de parto, de investidura, de cura e de morte.


Em Arnold Van Gennep, o esquema completo dos ritos de passagem admite em teoria ritos preliminares (separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação). No fundo, uma trilogia que passa pelos estados de separação do mundo de que alguém se vai separar, pelo momento de transição ou de liminaridade e, por fim, pelo momento de agregação. Roberto da Matta, na introdução a obra «Ritos de Passagem» revela-nos que a grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, têm fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das sequências formais será na direcção de marcar ou simbolizar separações. Mas se o sujeito acaba por mudar de grupo (ou de clã, família ou aldeia) pelo casamento, então as sequências tenderiam a dramatizar a agregação dele no novo grupo. E conclui dizendo que se as pessoas ou grupos passam por períodos marginais – nos quais se incluem a gravidez, o noivado, a iniciação, etc. – a sequência ritual investe nas margens ou na liminaridade do “objecto em estado de ritualização”. De facto, em muitas sociedades tradicionais, a mudança de estatuto – de que tomamos como exemplos, a transição da fase de jovem para adulto e, deste, para o casamento – pode revestir-se de um conjunto de rituais de iniciação, cuja complexidade varia de sociedade para sociedade. Apesar das diferenças culturais, o processo de passagem tem sempre como objectivo um conjunto de aprendizagens e provas, tendente à ruptura com o estado anterior. Outro dos exemplos que subsiste até aos nossos tempos é o casamento: É por isso que o casamento se reveste sempre de uma forma institucional, primeiramente religiosa, depois laica, e implica uma “sacralidade”. Segundo Jean Maisonneuve, nas ditas sociedades “arcaicas e tradicionais”, os ritos de separação visavam manter um certo equilíbrio ao compensarem a perda da pessoa que abandonava o seu clã ou a sua família. Aqui funcionavam as práticas de «“resgate”, de presentes, prestações ou recepções a favor do grupo que perde um dos seus membros».
Por outro lado, Arnold Van Gennep chama-nos à atenção para o facto de que ao atravessarmos uma «soleira», significa ingressarmos num mundo novo. Ainda segundo ele, tal é o motivo que confere a esse acto grande importância, nomeadamente e a título de exemplo, nos cerimoniais de casamento, de adopção, de ordenação e dos funerais. Para este autor, os ritos realizados na própria «soleira» são ritos de margem: como rito de separação do meio anterior há ritos de «purificação» (a pessoa se lava, se limpa, etc.), em seguida ritos de agregação (apresentação do sal, refeição em comum, etc.). Concluindo o seu raciocínio, os chamados ritos da soleira, não são por conseguinte ritos «de aliança» propriamente ditos, mas ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação para a margem.
Para Claude Lévi-Strauss, por exemplo, a sociedade é feita de indivíduos e de grupos que se comunicam entre si. Entretanto, e ainda segundo ele, a presença ou a ausência de comunicação não poderia ser definida de maneira absoluta, dado que mais do que fronteiras rígidas, trata-se de limiares, marcados por um enfraquecimento ou deformação da comunicação, e onde, sem desaparecer, esta passa a um nível mínimo.
Congratulamo-nos com o propósito do Município Barquense em querer sair dos ritos de soleira e expandir os ritos de preparação para a aliança, nomeadamente quando sabemos da investigação em curso para despoletar o património imaterial da Festa de S. Bartolomeu, partindo dos “ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação para a margem”.
        De facto, vale a pena lutar pelas referências multidimensionais, de que são exemplo, entre outras, os “baptizados da meia-noite”. Estabelecer pontes pode muito bem ajudar a descodificar a “certeza” de que a mesma lógica se produz no pensamento mítico e no pensamento científico. E nunca esquecer: Scribitur ad narradum, non ad probadum!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1250, 20 de Julho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-25)

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