«A bem da verdade, pouco se sabe acerca de
Bartolomeu, salvo o facto de ser mencionado em todas as listas dos doze
apóstolos que surgem no Novo Testamento…»
The Book of Saints
Perguntar-nos-ão do
porquê desta dicotomia entre o S. Bartolomeu e o “Notícias da Barca”, tendo em
conta possíveis contraditórios ou antagonismos. Esta nossa deambulação resulta
apenas de factores naturais, desprovida de factos comprometedores e/ou
provatórios. Sabemo-lo por alguns analistas que Bartolomeu, apesar de se saber
muito pouco da sua vida, é identificado como sendo Nataniel Bar-Tolmai, filho
de Tolmai, apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe. Terá evangelizado na
Mesopotânea, na Pérsia e possivelmente na Índia, embora os relatos do seu horrendo
martírio, preso e condenado por difundir o Cristianismo – esfolado vivo antes
da decapitação –, nos transportem ao espaço físico de Derbend (Albanópolis), na
Arménia Superior, nas margens do mar Cáspio. Daí, o seu ícone apresentar-se
umas vezes vestido, outras vezes esfolado, com a sua pele no braço.
Para as pessoas ligadas
ao esoterismo, o desprendimento da pele tem um significado de renovação, um
elevado sentido metafórico. Aliás, a serpente que nós vemos como símbolo das
farmácias era para os egípcios, e continua a ser para os esotéricos, símbolo de
sabedoria. Ao renovar a pele, rejuvenesce-se e renova-se interiormente. Para
além disso, S. Bartolomeu tem como atributo a faca com que foi esfolado, e,
raramente, um demónio encadeado, como é o caso do de Ponte da Barca, enclausurado
em capela do séc. XVIII, que se nos apresenta vestido, com a faca (martírio) na
mão direita e o livro das Sagradas Escrituras (evangelização) na mão esquerda.
Daí compreendermos toda
essa apreensão, dado que muitas são as interpretações e as conveniências
emocionais. Em Esposende, por exemplo, mais concretamente na freguesia de Mar, o
frango funciona como um corolário de oferta ao santo. A não ser que, à razão da
prática de o povo oferecer aquilo que tinha em casa, se sobreponha a
extra-sensorial simbologia da decapitação e do esfolamento como renovação, pelo
sangue derramado. Mas, como poderão compreender, não vamos entrar por aí.
Infelizmente, nos últimos tempos, isto tem sido indecentemente explorado,
principalmente por pessoas que não estudam convenientemente de uma forma séria
este fenómeno, a ponto de classificarem isto como uma frustração e um
desmoralizante paganismo. Convém salientar, e para terminar, que o culto a S.
Bartolomeu perde-se no tempo, encontrando-se vários elementos nesta festividade
que nos reportam ao pré-cristianismo, através da água como símbolo da
purificação, e ao cristianismo, através do baptismo, em muito associado à
purificação. E como é inevitável, aparece sempre um pouco de superstição. Mais
que não seja, o culto a S. Bartolomeu deve continuar a existir até para
conservar o culto da água, um dos elementos essenciais à nossa vida. Daí, a
nossa anterior sugestão de estabelecer pontes com a água (baptizados da
meia-noite) e o vinho (água transformada em vinho) das Bodas de Canaã, cuja
tradição liga-as a S. Simão, como sendo o jovem noivo, com capela na outra
margem, situada no topo de suave ondulação de terreno inculto, pertencente a
uma quinta de produção vinícola.
Sigam pois as rusgas e
a pele renovada do jornal que há quarenta e um anos, se tem mantido fiel às
tradições, à opinião desempoeirada e à defesa dos interesses e anseios das
populações da região. Rejuvenescimento e renovação constantes, precisam-se. Tal
como diria Schiller «o homem que se domina a si mesmo, liberta-se de um poder
que o acorrenta, e que escraviza quase todas as pessoas». Por isso, deixem
andar o demónio à solta. O demónio que está muitas vezes dentro de nós.
Um bem-haja a ambos: S. Bartolomeu (em representação do povo) e
«Notícias da Barca», seu arauto!
(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1252, 19/24 de Agosto de 2016, p. 18 - Crónicas do Átrio e do Lethes-27)
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