«A substância do mito não se encontra nem no
estilo, nem no modo de narração, nem na sintaxe, mas na “história” que é relatada…»
Lévi-Strauss
Há cerca de seis meses
que não dávamos sinal de vida activa, em face da fractura do braço escrevente,
voltamos ao convívio dos nossos leitores, penitenciamos desde já por essa inadvertida
falta, pelo respeito e consideração que nos merecem e, normalmente, retribuem.
Mas, voltemos ao que nos interessa.
Na aula inaugural da
cadeira de antropologia social dada no Collège
de France, em 5 de Janeiro de 1960, Lévi-Strauss faz realçar o facto de que
a antropologia social, cadeira introduzida no mesmo colégio francês em 1958, é
por demais fiel às formas de pensamento que nomeamos supersticiosas quando as
encontramos entre nós, para que não lhe fosse permitido prestar à superstição
uma homenagem liminar; o próprio dos mitos, que ocupam um lugar tão importante
em nossas pesquisas, não será evocar o passado abolido, e aplicá-lo como um
parâmetro sobre a dimensão do presente, a fim de decifrar um sentido, onde
coincidem as duas faces – histórica e estrutural –, que opõe ao homem sua
própria realidade?
O caminho da
antropologia social inicia-se com Sir James George Frazer na Universidade de
Liverpool, “ressuscitando” os estudos de Franz Boas, na América, e de Émile
Durkheim, na França. Segue-se Marcel Mauss, no Collège de France, que foi o primeiro a introduzir os termos
“antropologia social” na nomenclatura francesa, em 1938. Na linha Saussure
podemos renovar que é a natureza dos factos que estudamos que nos incita a
distinguir neles o que decorre da estrutura e ao que pertence ao acontecimento.
Se a sociedade está na antropologia, a antropologia, ela própria, está na
sociedade: assim, a antropologia ampliou progressivamente o seu objecto de
estudo, até abarcar nele a totalidade das sociedades humanas.
No discurso pronunciado
em Genebra a 28 de Junho de 1962, por ocasião das cerimónias do 250.º
aniversário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau, Lévi-Strauss afirmou que
Rousseau não foi somente um observador penetrante da vida campestre, um leitor
apaixonado dos livros de viagem, um analista atento dos costumes e das crenças
exóticas: sem receio de ser desmentido, pode-se afirmar que ele havia
concebido, querido e anunciado a etnologia um século inteiro antes que ela
fizesse a sua aparição, colocando-a, de pronto, entre as ciências naturais e
humanas já constituídas.
Por exemplo,
Jean-Jacques Rousseau define a botânica como uma “cadeia de relações e de
combinações”, mas que a natureza nos apresenta encarnados nos “objectos
sensíveis”. Desta forma – e segundo Lévi-Strauss – ele aspira também a
reencontrar a união do sensível e do inteligível, porque essa mesma união
constitui para o homem um estado primário, acompanhando o despertar da
consciência; e que não deveria sobreviver-lhe, salvo em raras e preciosas
ocasiões.
Para Lévi-Strauss, o
pensamento de Rousseau desabrocha a partir de um duplo princípio: o da
identificação com o outro, e mesmo com o mais “outro” de todos os outros, ou
seja, um animal; e o da recusa da identificação consigo mesmo, isto é, a recusa
de tudo o que pode tornar o eu “aceitável”. Para o mesmo antropólogo, estas
duas atitudes complementam-se, e a segunda chega mesmo a fundar a primeira: na
verdade, eu não sou “eu”, mas o mais fraco, o mais humilde dos “outros”.
Em suma, a revolução
rousseauniana, preformando e iniciando a revolução etnológica consiste em
recusar as identificações forçadas, quer seja a de uma cultura a outra cultura,
ou a de um indivíduo, membro de uma cultura, a um personagem ou a uma função
social que esta mesma cultura procura impor-lhe.
Também nós, só assim
entendemos a ANTROPOLOGIA!
(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1276, 10 de Junho de 2017, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes 32)
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