domingo, 12 de novembro de 2017

(RE)LENDO «Sabedoria sem Respostas» de Daniel Kolak e Raymond Martin

KOLAK, Daniel; MARTIN, Raymond – Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia. Lisboa: Temas e Debates, 2004. ISBN: 972-759-467-0. 212 p.

A obra Sabedoria sem Respostas está dividida em catorze capítulos e, além disso, possui um prefácio, uma nota introdutória – que, curiosamente, são dos próprios autores – um epílogo e um último capítulo, intitulado «Ligações Filosóficas», que se subdivide em mais catorze capítulos.
Antes de nos debruçarmos nos catorze capítulos iniciais, diríamos, a estrutura principal da obra destes dois autores americanos[1], remeter-nos-emos para a parte final, a fim de esmiuçarmos o sentido pedagógico do capítulo das «Ligações Filosófica», onde os catorze capítulos, não são mais que – em termos de título – uma repetição dos catorze estruturais. A saber: Cap. 1 – Onde; Cap. 2 – Quando; Cap. 3 – Quem; Cap. 4 – Liberdade; Cap. 5 – Conhecimento; Cap. 6 – Deus; Cap. 7 – Realidade; Cap. 8 – Experiência; Cap. 9 – Consciência; Cap. 10 – Cosmos; Cap. 11 – Morte; Cap. 12 – Sentido; Cap.         13 – Ética; e, Cap. 14 – Valores. O mesmo capítulo funciona como uma extraordinária descrição bibliográfica, onde os autores se recriam através das obras temáticas para cada conceito, não se limitando a fazerem a descrição normativa da referida bibliografia, mas a fornecerem novas pistas introdutórias às obras citadas. Tomemos como exemplo: «Para uma introdução invulgar e excêntrica à geometria não-euclidiana, tão importante para a compreensão do conceito cosmológico de espaço como um todo, experimente Eugene F. Krause, Taxicab Geometry: An Adventure in Non-Euclidian Geometry (Dover, 1986). E para uma introdução histórica às teorias do espaço e do tempo, veja-se John Losee, Uma Introdução Histórica à Filosofia da Ciência (Terramar, 1997)» (p. 164), havendo por parte da editora a preocupação de actualizar a bibliografia editada e/ou traduzida em Portugal, como se depreende pela segunda obra citada.
No prefácio, os autores começam por realçar a noção errada que muitas vezes se faz da Filosofia como sendo apenas um corpo de conhecimento, onde se espera receber informação, em vez se pensar pela própria cabeça. Assentes nessa noção, difundem o propósito em contrariar o “queixume” de muitos filósofos, face à desmotivação dos seus estudantes, quando os sentem inaptos – ou muito pouco preparados – “para lidarem com a matéria usada nas disciplinas introdutórias”. Ainda, segundo os autores, importa contrariar a afeição pelas respostas feitas, de forma a prepará-los para darem novo sentido às coisas. E, logo a seguir, a nota introdutória serve para reafirmar a nossa condição de crianças, “impertinentes” nas perguntas, com total abertura, muitas vezes irrespondíveis, quando procurávamos e queríamos sabê-las: Sabíamos que não sabíamos as respostas, e queríamos sabê-las. À nossa condição de espanto, enquanto crianças, relegamos a curiosidade infantil para a estrutura de respostas[2] que silencia a nossa capacidade de agir, só porque, inevitavelmente, nos tornamos adultos. Por isso, muitas dessas perguntas ficaram por responder: De onde viemos? Qual o objectivo da nossa vida? Qual a natureza do Universo em que vivemos? O que nos acontece quando morremos?
Prosseguindo o raciocínio dos autores, constatamos a aparente solidez das nossas crenças, hipoteticamente transmissoras de conhecimento – assentes em respostas que escondem mais do que revelam –, mas não de sabedoria. Numa alusão clara ao pensamento de Sócrates, Kolak e Martin, chamam a nossa atenção para o principal obstáculo ao estudo da filosofia, quando recorremos ao pressuposto de sabermos de mais. O objectivo do livro vai, precisamente, no sentido de trazer os leitores “para o domínio da filosofia como o faria Sócrates se ainda estivesse entre nós: afastando-o das respostas durante o tempo suficiente, para que possa ter a experiência da sabedoria do desconhecedor”. Daí, o sentido de fazer da filosofia uma actividade e não um corpo de conhecimentos, cultivando a perícia, ou seja, “a habilidade para nos vermos a nós próprios e ao mundo de muitas perspectivas diferentes”. Impelem-nos mesmo em sustentarmos o objectivo de nos desenvencilharmos (por completo) da dependência das respostas. Abordam, também, o sentido de «perspectiva» como “uma interpretação que vai para lá dos factos e que se apoia nos pressupostos, convicções ou valores da pessoa que faz a interpretação”. E dão o exemplo do feto de três meses que é intencionalmente abortado, levando a que se equacione o objecto de interpretação em duas perspectivas, a do assassinato e uma outra assente em dois pressupostos diferentes: o feto não era uma pessoa, na melhor das hipóteses era uma pessoa em potência, e a morte de pessoas em potência nem sempre é um assassínio. Dão outros vários exemplos onde são postos em confronto os pontos de vista dos outros – os quais nos custam admitir – com os nossos, os que julgamos como sendo a única janela válida para a “verdadeira realidade”. A filosofia é-nos “revelada” por estes dois autores, em forma de nos mostrar como identificar as limitações dos nossos próprios pontos de vista e a sair de nós próprios (Introdução, p. 16).


A nota introdutória culmina com o relato de uma lenda antiga de três homens sábios de três impérios diferentes que, um dia, se encontraram à entrada de um reino pacífico. Cada um deles, em face de uma guerra tripolar – apesar dos seus sábios conselhos, tinham levado à ruína dos seus impérios –, tinha vindo à procura de asilo. A rainha do reino pacífico coloca-los-ia perante um enigmático teste de adivinhação da cor de um ponto que previamente havia sido pintado nas suas testas, sentenciando a não resolução de tal enigma pela decisão de nenhum estar a altura de ser sábio no seu reino, sendo, por isso, decapitados. Tudo se resume à prática de observação, não havendo forma de conseguir descobrir respostas, olhando apenas para os nossos pontos de vistas. Os autores escolheram esta lenda como forma de nos chamarem à atenção para a preventiva excessividade de raciocínio, aliada à ludibriável desconfiança em relação aos outros; para a sensação do enigma se tornar insolúvel, só porque queremos inflectir apenas sobre o nosso ponto (de vista); e, finalmente, para resposta racional, obtida pela observação dos pontos (de vista) dos outros. À pergunta da rainha, de qual deles teria um ponto verde pintado na testa, tornar-se-ia sábio do reino, aquele que vislumbrara a realidade de todos os pontos serem vermelhos.
Onde? – capítulo primeiro, coloca-nos a nós leitores na interactividade de sabermos onde estamos, onde fica a Terra, o nosso sistema solar, o Universo, sendo que este último, não existindo mapas, confere-nos, contudo, a sua localização por dentro dele estarmos colocados: Até agora temos determinado a posição de cada coisa localizando-a num espaço que a contém. Contudo, o Universo é o espaço último que tudo contém: por definição, o Universo contém tudo (p. 22). Um desafio aliciante mantem-nos debaixo do enigma de sabermos onde estamos, só porque estamos exactamente onde alguns dos nossos amigos dizem que nós estamos: em lado nenhum. Onde está o leitor? Aqui! – respondemos. Aqui, onde? E voltamos à fase inicial... No segundo capítulo – Quando? – os autores, equacionados pela resposta óbvia do leitor em dizer aqui e agora, reformulam o quando é o agora, quando é o presente, estampando os cinquenta séculos de história como um pequeno segmento de tempo dentro do espaço tempo de aproximadamente quinze milhares de milhões de anos, que é a idade actualmente calculada do Universo. O diálogo mantém-se com a perspectiva do senso comum sobre a relação entre o tempo e a realidade, tendencialmente impulsionados pela experiência de memória quando nos lembramos de algo que fizemos em criança, sendo que tais acontecimentos de que nos lembramos já não existem e por isso são irreais. O mesmo acontece com o futuro: Se o leitor souber agora que amanhã vai reler este capítulo, o acontecimento de reler o capítulo só é real quando acontecer. Até acontecer não passa de uma mera possibilidade. Ganhamos noção da realidade presente, tal como ler o livro: Uma vez que está a ler estas palavras, está vivo (p. 29). Num volutear constante entre o aqui e agora, os autores procuram manter o diálogo com o leitor – que, circunstancialmente, somos nós, mas que bem podem ser outros tantos, deixando de o ser a partir do momento que é passado (deixamos de o ler para o comentar) – ao formularem o propósito de que “enquanto escrevemos estas palavras são 5.45 da manhã. Eastern Standard Time dos EUA, sábado, 6 de Janeiro de 1990. Do nosso ponto de vista, isto é agora. Do ponto de vista do leitor, isto (o nosso presente agora) é então. Mas do ponto de vista do Universo como um todo, este agora – tal como o agora do leitor, como todos os agoras – é um lugar nenhum, sempre e nunca”. Mantendo a ponte – e/ou o fio condutor –, chegamos ao terceiro capítulo – Quem? – sendo que esse “quem” somos nós: Quem é o leitor? E de uma pergunta simples transformamo-la num enigma complexo, só porque fazemos questão em dizer o nosso nome, a nossa idade, os nossos interesses, a nossa profissão, o local onde vivemos, etc., etc. Mas, mesmo assim, as dúvidas subsistem: Que idade? Se a idade do corpo ou a imaterial, permitindo o devaneio de «o que conta é a idade que se sente», tomando como referência a nossa maneira de ser, psicológica, emocional ou intelectual, dum corpo velho em mente nova; o sujeito-verbo-sujeito, focando a nossa atenção no objecto, tomando-o como garantia, concluindo que não podemos ser hoje aquilo que fomos há alguns anos; o nome, em contraste com o nome de um rio; os neurónios constituídos por iões e electrões, em fluxo permanente; todas as sensações, emoções e pensamentos de que estamos a ter experiência, como existência do presente, ainda que a relembrar o passado; a mudança dos estados mentais, muito mais rápido do que a substância física de que somos feitos; o búzio encostado ao ouvido, auscultando o “eco do sangue a correr pelo canal do seu ouvido. É o som que o leitor produz. O som do rio” – como não há rios permanentes, excepto em teoria, também não há pessoas permanentes, excepto em teoria (p.41). A cumplicidade (autores / leitores) e as interrogações prosseguem através da Liberdade – Porque razão está a ler isto? É indiferente a razão que nos levou a ler este livro, mesmo que alguém o tenha dito para o fazer. Outra questão se coloca: Será que ao lê-lo estamos a agir em liberdade? Se o fizermos porque queremos, estaremos a fazê-lo em liberdade. Contudo, se recebermos ordens para o fazer, para questionar as ordens e deixar de as questionar, aperceber-nos-emos que não temos liberdade, estaríamos sobre o controlo das ordens. Caso essas ordens não fossem dadas sob a forma de instruções, mas antes sob a forma de anseios directos que nos fariam agir de determinada forma, seria mais subtil, levando-nos a fingir que esses anseios dependiam de nós. Os vários exemplos apontados pelos autores vão no sentido de nos interrogarmos quanto à liberdade de comportamento, sem eliminar o facto das nossas escolhas – e mesmo comportamentos – dependerem de nós apenas de uma forma muito ténue: Se continua a achar que tem liberdade num sentido mais robusto do que este, então pergunte-se a si próprio: se é livre, quando começou a sê-lo? (p. 46). Concluem com a noção de que, normalmente, supomos ser livres no sentido em que o que fazemos depende nós, sendo que a liberdade deste tipo é ilusória. E perguntam-nos se queremos continuar a ler este mesmo livro; do Conhecimento – O leitor tem várias crenças. Mas quais das suas crenças é conhecimento, se é que alguma o é?. A ilusória autoconfiança do apostador de corridas de cavalos quando acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar. Não se pode saber pela adivinhação, mesmo que se acerte. Assim, não se obtém conhecimento apenas pela crença, mas, necessariamente dever-se-á estar conectado com a verdade daquilo em que se acredita, através das provas ou das razões que se tem para acreditar. As provas serão adequadas “quando tornam, nas circunstâncias em que existem, a verdade de uma crença mais do que menos provável”. Se os pressupostos estiverem errados há sempre a possibilidade de os reformular. O conhecimento e a ciência, também são aqui abordados, sendo que, ao acreditarmos na palavra, adquirimos algumas crenças indirectamente. Mas como é que alguém sabe algo directamente? E, aqui, obtém-se a resposta pela experiência. Com base na experiência, sabemo-lo e constatamo-lo directamente. Num aliciante jogo de “ping-pong” – deixamo-nos envolver neste jogo, dado que entendemos a Filosofia não como um assunto, mas como uma actividade (mental) – os autores levam-nos a concluir que a chave para resolver os enigmas consiste em descobrir as coisas que conhecemos directamente e o modo como as conhecemos. Por isso, o conhecimento tem de ser baseado na experiência directa; de Deus – Poderá o conhecimento de que Deus existe fornecer a ponte necessária entre a experiência e a realidade – entre os nossos estados mentais subjectivos e o mundo exterior? Neste sexto capítulo, Kolak e Martin despertam-nos para a realidade de Deus, “como a realidade que subjaz à realidade de tudo, incluindo a realidade da experiência e do mundo exterior” (p. 65). É um tema pertinente na Filosofia, sempre que procuramos obter – ou encontrar – provas adequadas quanto à existência de Deus, nos auto-sugestionarmos a sensação da sua existência pelo facto do Universo existir, sugerindo o seu surgimento de algures, como que os objectos sendo físicos não podem surgir do nada. E volta-se a colocar o velho problema, o qual os autores acham demasiado óbvio: se tudo tem de vir de algures, de onde vens Deus? Aí, constatamos o dilema da sua explicação existencial porque Deus, ao contrário do Universo, existe sem qualquer causa externa. Interrogamo-nos de novo na forma em adoptarmos um padrão para Deus e outro para o Universo. Ao longo das cerca de onze páginas decorrentes desta interrogação, estes ilustres catedráticos mantêm-nos “presos” a uma espécie de dualidade de desígnios, diríamos quase tentadora de desmistificarmos a tentação – com desculpas para o pleonasmo – em pensarmos que Deus é especial – que Deus, ao contrário do Universo, não requer um desígnio exterior (p. 68). O livre-arbítrio, o sofrimento, o afirmar saber da existência só porque se é crente, as respostas misteriosas, a perplexidade e insegurança nas respostas, o fingir saber mais do que aquilo que de facto sabem, preenchem a certeza de que há verdades científicas e há o mistério. Ficamos com a sensação, induzidos pela teorização dos autores, de que não são apenas os crentes que regularmente tentam encobrir mistérios. Também os ateus regularmente os tentam encobrir. E ambos os grupos, quando tentam esconder mistérios, tentam fazê-lo basicamente do mesmo modo: pretendendo saber mais do que de facto sabem (p. 75); da Realidade – Será que percepcionamos directamente o mundo real? Dos conceitos teológicos e científicos, partimos para a realidade que vemos e sentimos directamente. Do uso das teorias, os autores estimulam-nos a experiência e se há forma de sair dela para uma melhor compreensão da realidade. E experimentamos a realidade das coisas – e/ou objectos – familiarizando-nos com elas, sendo que a sua evidência esconde o mistério de uma realidade: Mas porque todos sabemos o que são cadeiras e que elas são reais, pressupomos que sabemos o que «torna» uma cadeira real (p. 78). Sentados numa cadeira real, continuamos, a convite dos autores, a ler o livro. E voltamos a questionar a realidade do objecto: [...] mas, antes, o que torna a sua cadeira uma cadeira real em contraste com uma cadeira não real – alucinatória ou imaginada (idem p. 78). Pela compreensão da realidade de um objecto tão simples como uma cadeira, estaremos a um passo do caminho certo para compreender a realidade. Tudo perpassa através dos conceitos, do significado por nós criado e dependente da mente, das formas interpretadas e não interpretadas, das propriedades dos objectos, da experiência visual depois de retirada a sua contribuição mental, do movimento dos olhos e do pensamento, do componente interpretativo do tacto – como a experiência de calor, de humidade, de plano, de macio e assim por diante –, da percepção, etc. E a pergunta volta a ser colocada: O que é então a realidade? A ponte é de novo estabelecida: Talvez se compreendêssemos melhor a experiência conseguíssemos atravessar essa ponte e descobrir a verdadeira natureza da realidade (p. 85); da Experiência – Serão a sensação, a emoção e pensamento componentes da nossa experiência? Dificilmente deixaremos de manter a ponte com os autores. A interactividade permanece, estimulando-nos à consciencialização das emoções como uma mistura de sensações e pensamentos. Suponha que se queima no fogão. O que acontece? A dor é claramente uma sensação. Pensar na sensação é diferente do desconforto provocado pela própria sensação: A irritação por se ter queimado é em parte uma sensação no seu corpo, uma sensação de agitação e talvez de excitação (p.87). Aqui, os autores ajudam-nos a raciocinar sobre as nossas sensações, causadas directamente pela acção de objectos físicos reais e pelos nossos órgãos sensoriais, sobretudo quando as mesmas podem influenciar as nossas mentes. Ser dor é diferente de Causar dor. Sendo que a dor é uma coisa e o pensamento é outra, e tendo em conta que o pensamento tem um componente de sensação, é possível aventarmos a possibilidade de sonharmos acordados, criando, circunstancialmente, fantasias visuais e vemo-las manifestarem-se. As sensações internamente causadas, onde o pensamento ocorre na forma de imagens auditivas; a experiência dissolvida em dois componentes: sensações e pensamentos; a concepção elementar – leitor, dedo e dor – e o dilema entre os conceitos mentais e as sensações, experimentalmente testadas pelo tacto; a experiência sem a contribuição visual; a interpretação da informação, sendo que o seu dedo não pode saber coisa alguma sem que a sua mente interprete a pressão como pressão na ponta do seu dedo (p. 91); a experiência do componente de pensamento da sensação, como próxima da explicação científica; os átomos e a energia causada, dando inicio à cadeia de acontecimentos que começam na ponta do dedo e termina no cérebro; a função do sistema nervoso, impulsionador eléctrico ao cérebro; o sentir e o pensar, a experiência e a realidade; são temas – e/ou interrogações – que perpassam ao longo das dez páginas que este capítulo suporta e onde os autores nos alertam para o facto da experiência que, longe de nos dar acesso directo à realidade, bem poderá em última instância, construir pontes que nos levam [...] apenas de volta a nós mesmos (p. 96); da Consciência – Quando queremos compreender algo em termos científicos, explicamos esse algo em função de outra coisa de tipo diferente? Neste capítulo (9), Kolak e Martin chamam-nos à consciência de vivermos numa época reducionista, uma espécie de estratégia que tem sido “imensamente bem sucedida”.  E tudo começa por tentarmos definir o que são mentes, corpo vivo, moléculas orgânicas, átomos, electrões e neutrões e coisas do género, envolvendo matérias como a física, a química, a biologia: por outras palavras, as nossas mentes foram reduzidas à biologia, a qual foi reduzida à química, a qual foi reduzida à física, a qual volta a deixar entrar a mente pela porta de trás (p. 99). Segundo os autores, fugimos da consciência de modo a seguir uma estratégia reducionista que, voltada sobre si própria, acaba por nos deixar novamente com a consciência. Com um certo cunho de humor, sempre nos vão dizendo que esta é uma pequena brincadeira da natureza do século XX. O processo reducionista – chegando ao fim voltando-se de novo para si mesmo – e as questões a este respeito são tão técnicas e os desenvolvimentos científicos tão recentes que ainda hoje não mereceram a atenção dos filósofos ou dos cientistas. A subjectividade da mente, a consciência e a experiência, conjecturando-nos à compreensão e à experimentação, pelo facto de só a visão nos poder dar a experiência da cor, enquanto o invisual nos remete, apenas, à compreensão. No entanto, o invisual é ricamente científico, enquanto o oposto é apenas rico em termos de experiência. E o que fica por descobrir – ao tentarmos compreender a origem do Universo, por exemplo – “força-nos” a enfrentar a estranha possibilidade de que o Universo – que existe em lado nenhum e que nunca aconteceu – vem do nada (p. 101); do Cosmos – Será possível o nada: que não há planetas nem estrelas? Da «consciência» partimos para o «cosmos». A possibilidade de imaginarmos o vazio, preenchido por objectos aparentemente sólidos e como sendo meras configurações de átomos, racionaliza a outra possibilidade do Universo conter muito mais espaço vazio do que matéria. O esforço em imaginarmos o vazio rodeado de vazio – sendo que o mesmo está próximo do nada – como aquilo que somos (Cf. p. 103), faz com que tenhamos que fazer um esforço menor para imaginarmos o próprio vazio. O exemplo experimental apontado pelos autores, propondo-nos a observação do céu, da sala onde estamos e de um espelho, concluiremos que tudo o que vemos é quase nada, manifestando-se num extraordinário desafio de partirmos até ao Universo, que está em parte nenhuma e existe em tempo nenhum (p. 104), constituído por espaço vazio, perto de ser nada. Contudo, algo existe. As respostas óbvias às nossas interrogações, sempre que somos confrontados com a “velha máxima” de que Deus criou o Universo, então o Universo existe porque Deus o criou, é um tema (problema – a principal realidade da Filosofia) aqui inteligentemente “explorado” pelos autores, mesmo quando relançam o “nada” como uma consequente explicação para a existência ou não de Deus. O confronto entre a religião e a ciência, revelasse-nos pela argumentação dos físicos clássicos de que a matéria não poderia ser criada nem destruída. E uma vez que o Universo existe agora, tem de ter existido sempre. No entanto, que Deus existe é algo de questionável e controverso. O Big Bang, o Universo nascido explosivamente – resultado do colapso de um Universo prévio –, e as eternas interrogações de como teria ocorrido, coloca-nos na possibilidade cíclica da morte de um Universo e o nascimento de um outro (Big Crunch). Supondo-se a não-teoria cíclica do Universo, voltamos à possibilidade da criação do mesmo, a partir do nada. Novas dúvidas se levantam, a partir do momento que tomamos consciência de que o nada é coisa nenhuma.  Passo a passo, Kolak e Martin, ajudam-nos a reflectir sobre o “estável” e “instável”; a nossa existência num Universo bem ordenado – quando o nada degenera em Universos caóticos –, suficientemente ordenado e estável para produzir questionadores; a questão de sabermos por que razão existe algo em vez de nada, sem que para isso seja uma questão científica: Porque existe algo em vez de nada? Em última análise, porque algo – este Universo – existe necessariamente (p. 110). Deus ou o Universo: aquilo que a religião entende por Deus a ciência moderna entende por nada, “obrigrando-nos” a especular a não existência de Deus e do nada, no espaço e no tempo, dado que ambos dão origem ao Universo de espaço, tempo, energia e matéria. São os próprios autores que nos dizem que tanto Deus como o “nada”, na sua diferença sem importância aparente, dão origem à mesma coisa: o Universo; da Morte – Mas o que é uma alma? E será que o leitor tem alma? Neste percurso de leitura, voltamos ao nada, ou dele tomaremos consciência, dado que quando morremos, os átomos do nosso corpo não vão desaparecer, pois, serão absorvidos pelo solo, pelas plantas, pelos animais e pelas pessoas. Todo o ser vivo se alimenta da morte. A vida auto-recicla-se através da morte – são afirmações contidas na explanação dos autores. Para sobrevivermos à decomposição do nosso actual corpo físico, teremos que sobreviver como algo distinto do nosso actual corpo – talvez como alma. Apesar de longe ir o tempo em que se apelava às almas para explicar o funcionamento do corpo – a necessidade de substância espiritual para animar a matéria – apercebemo-nos nos tempos que correm que a matéria é energia, substância física universal. É à volta desta problemática que os autores nos conduzem ao sentido semelhável – não fossem os microscópios electrónicos – de almas com os átomos físicos, porque invisíveis a olho nu. Interrogando-se e interrogando-nos permanentemente, subsistem as dúvidas quanto ao que sobrevive à nossa morte corpórea: os fenómenos psíquicos da sobrevivência à morte corpórea como uma alma; a sobrevivência como seres materiais ou espirituais; o perder da individualidade fundindo-nos com o cosmos; a vida depois da morte como sinónimo de sobrevivência, crença apoiada na fé; a fraude – sendo possível que a memória tenha sido estimulada por uma certa informação que adquiriu de uma forma normal (p. 119); as circunstâncias desconhecidas, mas vulgares; o fenómeno psíquico, com percepção extra-sensorial, tendo em conta que nem as modernas histórias de tais fenómenos nem as velhas histórias religiosas se manifestam numa grande ajuda. Acabamos onde começamos: com a vida antes da morte. E a ponte prossegue: E assim, no fim de contas, sempre temos vida depois da morte. Temo-la onde nunca julgamos tê-la: Aqui (p. 121); do Sentido – Porque estamos aqui? Que sentido faz tudo isto? Será que a vida tem algum propósito ou sentido? O propósito de estarmos ocupados a tentar ser bem sucedidos tira-nos a preocupação do sentido. Mas, mesmo assim, mantemos a curiosidade de saber que sentido faz a nossa vida e o porquê do aqui e agora. O sentido da vida é uma permanente procura e “luta” dos ricos e dos pobres: uns lutam, enquanto os outros lutam por sobreviver. São insuficientes as respostas, quando temos respostas a mais, residindo aí o facto de que, quase sempre, as respostas são dadas ao problema errado. Pretende-se responder à questão do sentido da vida, quando aquilo de que precisamos é de uma solução para as lutas da vida. Kolak e Martin insistem em nos exercitarem o consciente: Por que razão a vida é uma luta? Para nos envolvermos numa luta, tem que haver algo ou alguém que represente a resistência que leva a essa luta. Para se acabar com a luta ter-se-á que, necessariamente, acabar com a fragmentação que dá origem à resistência. Porém, dizem-nos os autores: o problema é que não queremos acabar com a luta à custa de sermos dominados (p. 125). A luta interior – “Está a ler este livro. É muito improvável que alguém esteja a tentar dar-lhe um tiro” – como forma de dominarmo-nos a nós próprios, sendo que uma parte de nós tenta dominar a outra; a essência do conflito interno, aumentando o hiato ao distanciar-nos de nós próprios; a tentativa de deixarmos de ser como somos ou vice-versa, aceitando as causas dos nossos vícios; o tipo de sucesso, quando estamos apenas a falar da carreira profissional – o sucesso profissional e pessoal não andam necessariamente juntos (p. 127), contando com a aprovação dos outros; o sermos felizes, por contribuirmos para a felicidade dos outros; o sermos eremitas; o cuidar da imagem como algo idealizado, exagerando a dimensão da nossa independência, procurando, ao mesmo tempo, não admitir a dimensão da nossa dependência; disfarçar a importância que damos ao que os outros pensam de nós, gostando pensar que não nos importamos, provocando em nós uma tensão interior: uma luta interna entre aquela parte de nós que deseja aprovação e aquela parte que deseja a independência da necessidade de aprovação (p. 128); a actividade de nos mantermos em boa forma física, punindo-nos por obrigação ou por gostar do acto físico; a chave do sucesso na vida ligando-nos não a um produto mas a um processo; são algumas das muitas questões que se nos colocam a propósito do significado da vida, sendo que a vida é uma luta porque o leitor se encontra dividido contra os outros e contra si próprio (p. 133); da Ética – Como podem as autoridades encarregues do seu condicionamento saber que o leitor é mau por natureza? Numa escrita escorreita, Kolak e Martin apontam para a realidade presente de pais, professores, legisladores, políticos e líderes religiosos estarem a treinar-nos para nos ajustar ao mundo que eles herdaram dos seus pais, dos seus professores, dos legisladores, dos políticos e dos líderes religiosos, os quais por sua vez os herdaram das suas autoridades e assim por diante (p. 135). Em matéria da «Ética» coloca-se a questão de quando é que alguma vez se permitiu às pessoas a possibilidade de descobrirem por si próprias como é a vida e a tomarem decisões por si próprias sobre como viver melhor, sem terem sido incitadas por agentes exteriores à suas próprias vontades. Tomando como hipótese de as pessoas serem naturalmente más, aventaremos subsequentemente a possibilidade das autoridades (agentes exteriores) serem igualmente más, com a diferença de – para além de serem más – serem também poderosas. A procura da verdade universal num universo relativista; a mulher e a luta travada pela sua emancipação numa sociedade patriarcal; o bastião da autoridade à volta de «Deus», como revelador da verdade, pondo em confronto o intuito de se proporcionar ajuda com a prática da intolerância, da violência, do derrame de sangue, do sofrimento, da repressão, da confusão, do medo, do ódio e da morte; a secularidade das “autoridades”, que afirmam que as suas respostas não estão fundadas na fé mas na razão quando, na “verdade”, têm sido tão impiedosas, tão dogmáticas, tão corruptas e perversas como as suas contrapartes religiosas (p. 139); a estrutura social onde são cumpridas as ameaças de quem sustem o poder; os problemas que se levantam no caso das autoridades externas e da própria consciência; são temas que completam o raciocínio dos autores, levando-nos a reflectir sobre o enraizamento das ideologias familiares, sociais, religiosas e políticas, “que nos falam de dentro, guiando-nos com os nossos próprios sentimentos”. E a pergunta fica no ar: Assim, que razões há para confiar em «quem quer que seja – incluindo em si mesmo –» para nos dar orientação moral?; e, finalmente, dos Valores – Qual deverá ser o valor nas nossas vidas? Este último capítulo, aborda a perspectiva parcial dos valores que herdamos e que ao longo das nossas vidas nos têm dito para os adoptarmos. E quando pensamos na decisão seguida pela nossa própria consciência, seguimos uma consciência que é em si, largamente, o produto do elaborado condicionamento cultural e social (p. 143). Os autores prosseguem no raciocínio confrontando-nos com a obsessão de conseguirmos o que queremos e a subsequente frustração que, normalmente, exala cinismo, pelo facto de muitas vezes já não querermos o que então pretendíamos. O insuficiente e o insatisfatório; a cruel constatação da morte como o fim nos espera (e depois os vermes); a extinção da humanidade, já que não podemos existir para sempre; a resistência  às respostas herdadas e a valores em segunda mão; o enfrentar corajosamente o Universo em desintegração; o questionamento de valores, limitado e limitador, e a forma de podermos sair completamente do nosso quadro de referências de valores; o suspender das nossas obrigações, como forma de pormos de lado os nossos valores familiares e culturais e ir além da nossa consciência (p. 145); as ideias acerca do certo e do errado, do bem e do mal, do bonito e do feio; o juízo intencional de julgarmos o aborto como moralmente permissível, quando poderíamos dizer que feto não é um ser consciente; a distinção crucial entre os valores e os factos; o essencial para o significado de valor, mas não para o juízo de facto; a nossa posição sobre a existência ou não de Deus, por sermos influenciados pela nossa obrigação para com as regras; a capacidade para distinguirmos os valores dos factos; os nossos órgãos sensoriais e a capacidade de responderem aos estímulos factuais – a ondas de som, a ondas de luz, à pressão e assim por diante (p. 150); as dúvidas sobre o realismo; o julgarmo-nos a nós próprios e aos outros, valorativamente; são temas abordados e exercitados numa permanente deambulação entre as perguntas e as respostas, com o intuito de nos levar até ao alcance de uma perspectiva imparcial superior, apreendendo, observando e agindo, valorativamente, ainda que a vacilação da consciência nos faça pronunciar alguma artificialidade na emoção, no pensamento e no movimento.   
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que este livro completa-se integralmente através da sinopse da contra-capa, a nosso ver, onde, irrefutavelmente, se reflecte a expressão objectiva do tema – neste caso, da iniciação à Filosofia – e do interesse a despertar através da sua leitura: «Como o apresentaria Sócrates ao estudo da Filosofia? Provavelmente como faz este livro. Trata-se de uma obra deliciosamente provocadora que o ajuda a entender a filosofia como a entendiam os grandes filósofos: uma actividade feita de questionamento e raciocínio, e não apenas um conjunto de informações. Em 14 capítulos cheios de vivacidade, aprenderá a evitar as respostas fáceis e será conduzido ao mundo fascinante do pensamento filosófico. Serão examinadas algumas das questões fundamentais». De facto, na qualidade de leitores, corroboramos da ideia que nos fica da abordagem frontal das perguntas, permitindo-nos através dela explorar os modos como elas (as perguntas) nos afectam: Deus existe?; Porque existe o Universo?; O que é o eu?; Qual o significado da vida?; Que é a morte?; Dispomos de livre-arbítrio?; Que é o conhecimento?; Que significa a moral?, etc. As respostas preconcebidas são abandonadas logo à partida, face à aprendizagem no pensar de forma crítica “nas ideias filosóficas que podem transformar a sua vida” – cit. sinopse.
Quase que arriscaríamos em dizer, mais por dedução que por intuição, que se trata de um livro interessante para quem se pretende iniciar na actividade da Filosofia.



[1] Daniel Kolak é professor na Universidade de New Jersey e Raymond Martin na Universidade de Maryland. Ambos são autores de uma outra obra: «The Experience of Philosophy».
[2]  Segundo os autores, o problema é que cada um de nós «ficou dependente de um complexo sistema entrelaçado de respostas metafísicas acerca do eu, do conhecimento, da realidade, dos valores e do sentido» - cit. p. 13.

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