KOLAK, Daniel; MARTIN,
Raymond – Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia.
Lisboa: Temas e Debates, 2004. ISBN: 972-759-467-0. 212 p.
A obra Sabedoria sem Respostas está dividida em catorze capítulos
e, além disso, possui um prefácio, uma nota introdutória – que, curiosamente,
são dos próprios autores – um epílogo e um último capítulo, intitulado
«Ligações Filosóficas», que se subdivide em mais catorze capítulos.
Antes de nos debruçarmos nos catorze capítulos iniciais, diríamos, a
estrutura principal da obra destes dois autores americanos[1],
remeter-nos-emos para a parte final, a fim de esmiuçarmos o sentido pedagógico
do capítulo das «Ligações Filosófica», onde os catorze capítulos, não são mais
que – em termos de título – uma repetição dos catorze estruturais. A saber:
Cap. 1 – Onde; Cap. 2 – Quando; Cap. 3 – Quem; Cap. 4 – Liberdade;
Cap. 5 – Conhecimento; Cap. 6 – Deus; Cap. 7 – Realidade;
Cap. 8 – Experiência; Cap. 9 – Consciência; Cap. 10 – Cosmos;
Cap. 11 – Morte; Cap. 12 – Sentido; Cap. 13 – Ética; e, Cap. 14 – Valores. O mesmo
capítulo funciona como uma extraordinária descrição bibliográfica, onde os
autores se recriam através das obras temáticas para cada conceito, não se
limitando a fazerem a descrição normativa da referida bibliografia, mas a
fornecerem novas pistas introdutórias às obras citadas. Tomemos como exemplo:
«Para uma introdução invulgar e excêntrica à geometria não-euclidiana, tão
importante para a compreensão do conceito cosmológico de espaço como um todo,
experimente Eugene F. Krause, Taxicab Geometry: An Adventure in
Non-Euclidian Geometry (Dover, 1986). E para uma introdução histórica às
teorias do espaço e do tempo, veja-se John Losee, Uma Introdução Histórica à
Filosofia da Ciência (Terramar, 1997)» (p. 164), havendo por parte da
editora a preocupação de actualizar a bibliografia editada e/ou traduzida em
Portugal, como se depreende pela segunda obra citada.
No prefácio, os autores começam por realçar a noção errada que muitas
vezes se faz da Filosofia como sendo apenas um corpo de conhecimento, onde se
espera receber informação, em vez se pensar pela própria cabeça. Assentes nessa
noção, difundem o propósito em contrariar o “queixume” de muitos filósofos,
face à desmotivação dos seus estudantes, quando os sentem inaptos – ou muito
pouco preparados – “para lidarem com a matéria usada nas disciplinas
introdutórias”. Ainda, segundo os autores, importa contrariar a afeição pelas
respostas feitas, de forma a prepará-los para darem novo sentido às coisas. E,
logo a seguir, a nota introdutória serve para reafirmar a nossa condição de
crianças, “impertinentes” nas perguntas, com total abertura, muitas vezes
irrespondíveis, quando procurávamos e queríamos sabê-las: Sabíamos que não
sabíamos as respostas, e queríamos sabê-las. À nossa condição de espanto,
enquanto crianças, relegamos a curiosidade infantil para a estrutura de
respostas[2] que
silencia a nossa capacidade de agir, só porque, inevitavelmente, nos tornamos
adultos. Por isso, muitas dessas perguntas ficaram por responder: De onde
viemos? Qual o objectivo da nossa vida? Qual a natureza do Universo em que
vivemos? O que nos acontece quando morremos?
Prosseguindo o raciocínio dos autores, constatamos a aparente solidez das
nossas crenças, hipoteticamente transmissoras de conhecimento – assentes em
respostas que escondem mais do que revelam –, mas não de sabedoria. Numa alusão
clara ao pensamento de Sócrates, Kolak e Martin, chamam a nossa atenção para o
principal obstáculo ao estudo da filosofia, quando recorremos ao pressuposto de
sabermos de mais. O objectivo do livro vai, precisamente, no sentido de trazer
os leitores “para o domínio da filosofia como o faria Sócrates se ainda
estivesse entre nós: afastando-o das respostas durante o tempo suficiente, para
que possa ter a experiência da sabedoria do desconhecedor”. Daí, o sentido de
fazer da filosofia uma actividade e não um corpo de conhecimentos, cultivando a
perícia, ou seja, “a habilidade para nos vermos a nós próprios e ao mundo de
muitas perspectivas diferentes”. Impelem-nos mesmo em sustentarmos o objectivo
de nos desenvencilharmos (por completo) da dependência das respostas. Abordam,
também, o sentido de «perspectiva» como “uma interpretação que vai para lá dos
factos e que se apoia nos pressupostos, convicções ou valores da pessoa que faz
a interpretação”. E dão o exemplo do feto de três meses que é intencionalmente
abortado, levando a que se equacione o objecto de interpretação em duas
perspectivas, a do assassinato e uma outra assente em dois pressupostos
diferentes: o feto não era uma pessoa, na melhor das hipóteses era uma
pessoa em potência, e a morte de pessoas em potência nem sempre é um assassínio.
Dão outros vários exemplos onde são postos em confronto os pontos de vista dos
outros – os quais nos custam admitir – com os nossos, os que julgamos como
sendo a única janela válida para a “verdadeira realidade”. A filosofia é-nos
“revelada” por estes dois autores, em forma de nos mostrar como identificar as
limitações dos nossos próprios pontos de vista e a sair de nós próprios (Introdução,
p. 16).
A nota introdutória culmina com o relato de uma lenda antiga de três
homens sábios de três impérios diferentes que, um dia, se encontraram à entrada
de um reino pacífico. Cada um deles, em face de uma guerra tripolar – apesar
dos seus sábios conselhos, tinham levado à ruína dos seus impérios –, tinha
vindo à procura de asilo. A rainha do reino pacífico coloca-los-ia perante um
enigmático teste de adivinhação da cor de um ponto que previamente havia sido
pintado nas suas testas, sentenciando a não resolução de tal enigma pela
decisão de nenhum estar a altura de ser sábio no seu reino, sendo, por isso,
decapitados. Tudo se resume à prática de observação, não havendo forma de
conseguir descobrir respostas, olhando apenas para os nossos pontos de vistas.
Os autores escolheram esta lenda como forma de nos chamarem à atenção para a
preventiva excessividade de raciocínio, aliada à ludibriável desconfiança em
relação aos outros; para a sensação do enigma se tornar insolúvel, só porque
queremos inflectir apenas sobre o nosso ponto (de vista); e, finalmente, para
resposta racional, obtida pela observação dos pontos (de vista) dos outros. À
pergunta da rainha, de qual deles teria um ponto verde pintado na testa,
tornar-se-ia sábio do reino, aquele que vislumbrara a realidade de todos os
pontos serem vermelhos.
Onde? – capítulo primeiro, coloca-nos a nós leitores na
interactividade de sabermos onde estamos, onde fica a Terra, o nosso sistema
solar, o Universo, sendo que este último, não existindo mapas, confere-nos,
contudo, a sua localização por dentro dele estarmos colocados: Até
agora temos determinado a posição de cada coisa localizando-a num espaço que a
contém. Contudo, o Universo é o espaço último que tudo contém: por definição, o
Universo contém tudo (p. 22). Um desafio aliciante mantem-nos debaixo do
enigma de sabermos onde estamos, só porque estamos exactamente onde alguns dos
nossos amigos dizem que nós estamos: em lado nenhum. Onde está o leitor? Aqui!
– respondemos. Aqui, onde? E voltamos à fase inicial... No segundo capítulo – Quando?
– os autores, equacionados pela resposta óbvia do leitor em dizer aqui e
agora, reformulam o quando é o agora, quando é o presente,
estampando os cinquenta séculos de história como um pequeno segmento de tempo
dentro do espaço tempo de aproximadamente quinze milhares de milhões de anos,
que é a idade actualmente calculada do Universo. O diálogo mantém-se com a
perspectiva do senso comum sobre a relação entre o tempo e a realidade,
tendencialmente impulsionados pela experiência de memória quando nos lembramos
de algo que fizemos em criança, sendo que tais acontecimentos de que nos
lembramos já não existem e por isso são irreais. O mesmo acontece com o futuro:
Se o leitor souber agora que amanhã vai reler este capítulo, o acontecimento
de reler o capítulo só é real quando acontecer. Até acontecer não passa de
uma mera possibilidade. Ganhamos noção da realidade presente, tal como ler o
livro: Uma vez que está a ler estas palavras, está vivo (p. 29). Num
volutear constante entre o aqui e agora, os autores procuram
manter o diálogo com o leitor – que, circunstancialmente, somos nós, mas que
bem podem ser outros tantos, deixando de o ser a partir do momento que é
passado (deixamos de o ler para o comentar) – ao formularem o propósito de que
“enquanto escrevemos estas palavras são 5.45 da manhã. Eastern Standard Time
dos EUA, sábado, 6 de Janeiro de 1990. Do nosso ponto de vista, isto é agora.
Do ponto de vista do leitor, isto (o nosso presente agora) é então. Mas do
ponto de vista do Universo como um todo, este agora – tal como o agora do
leitor, como todos os agoras – é um lugar nenhum, sempre e nunca”. Mantendo a
ponte – e/ou o fio condutor –, chegamos ao terceiro capítulo – Quem?
– sendo que esse “quem” somos nós: Quem é o leitor? E de uma pergunta simples
transformamo-la num enigma complexo, só porque fazemos questão em dizer o nosso
nome, a nossa idade, os nossos interesses, a nossa profissão, o local onde
vivemos, etc., etc. Mas, mesmo assim, as dúvidas subsistem: Que idade? Se a
idade do corpo ou a imaterial, permitindo o devaneio de «o que conta é a idade
que se sente», tomando como referência a nossa maneira de ser, psicológica,
emocional ou intelectual, dum corpo velho em mente nova; o
sujeito-verbo-sujeito, focando a nossa atenção no objecto, tomando-o como
garantia, concluindo que não podemos ser hoje aquilo que fomos há alguns anos;
o nome, em contraste com o nome de um rio; os neurónios constituídos por iões e
electrões, em fluxo permanente; todas as sensações, emoções e pensamentos de
que estamos a ter experiência, como existência do presente, ainda que a
relembrar o passado; a mudança dos estados mentais, muito mais rápido do que a
substância física de que somos feitos; o búzio encostado ao ouvido, auscultando
o “eco do sangue a correr pelo canal do seu ouvido. É o som que o leitor
produz. O som do rio” – como não há rios permanentes, excepto em teoria,
também não há pessoas permanentes, excepto em teoria (p.41). A cumplicidade
(autores / leitores) e as interrogações prosseguem através da Liberdade
– Porque razão está a ler isto? É indiferente a razão que nos levou a ler este
livro, mesmo que alguém o tenha dito para o fazer. Outra questão se coloca:
Será que ao lê-lo estamos a agir em liberdade? Se o fizermos porque
queremos, estaremos a fazê-lo em liberdade. Contudo, se recebermos ordens para
o fazer, para questionar as ordens e deixar de as questionar,
aperceber-nos-emos que não temos liberdade, estaríamos sobre o controlo das
ordens. Caso essas ordens não fossem dadas sob a forma de instruções, mas antes
sob a forma de anseios directos que nos fariam agir de determinada forma, seria
mais subtil, levando-nos a fingir que esses anseios dependiam de nós. Os vários
exemplos apontados pelos autores vão no sentido de nos interrogarmos quanto à
liberdade de comportamento, sem eliminar o facto das nossas escolhas – e mesmo
comportamentos – dependerem de nós apenas de uma forma muito ténue: Se
continua a achar que tem liberdade num sentido mais robusto do que este, então
pergunte-se a si próprio: se é livre, quando começou a sê-lo? (p. 46).
Concluem com a noção de que, normalmente, supomos ser livres no sentido em que
o que fazemos depende nós, sendo que a liberdade deste tipo é ilusória. E
perguntam-nos se queremos continuar a ler este mesmo livro; do Conhecimento
– O leitor tem várias crenças. Mas quais das suas crenças é conhecimento, se é
que alguma o é?. A ilusória autoconfiança do apostador de corridas de cavalos
quando acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar. Não se pode saber pela
adivinhação, mesmo que se acerte. Assim, não se obtém conhecimento apenas pela
crença, mas, necessariamente dever-se-á estar conectado com a verdade daquilo
em que se acredita, através das provas ou das razões que se tem para acreditar.
As provas serão adequadas “quando tornam, nas circunstâncias em que existem, a
verdade de uma crença mais do que menos provável”. Se os pressupostos
estiverem errados há sempre a possibilidade de os reformular. O conhecimento e
a ciência, também são aqui abordados, sendo que, ao acreditarmos na palavra,
adquirimos algumas crenças indirectamente. Mas como é que alguém sabe
algo directamente? E, aqui, obtém-se a resposta pela experiência. Com
base na experiência, sabemo-lo e constatamo-lo directamente. Num aliciante jogo
de “ping-pong” – deixamo-nos envolver neste jogo, dado que entendemos a
Filosofia não como um assunto, mas como uma actividade (mental) – os autores
levam-nos a concluir que a chave para resolver os enigmas consiste em descobrir
as coisas que conhecemos directamente e o modo como as conhecemos. Por
isso, o conhecimento tem de ser baseado na experiência directa; de Deus
– Poderá o conhecimento de que Deus existe fornecer a ponte necessária entre a
experiência e a realidade – entre os nossos estados mentais subjectivos e o
mundo exterior? Neste sexto capítulo, Kolak e Martin despertam-nos para a
realidade de Deus, “como a realidade que subjaz à realidade de tudo, incluindo
a realidade da experiência e do mundo exterior” (p. 65). É um tema pertinente
na Filosofia, sempre que procuramos obter – ou encontrar – provas adequadas
quanto à existência de Deus, nos auto-sugestionarmos a sensação da sua
existência pelo facto do Universo existir, sugerindo o seu surgimento de
algures, como que os objectos sendo físicos não podem surgir do nada. E
volta-se a colocar o velho problema, o qual os autores acham demasiado óbvio: se
tudo tem de vir de algures, de onde vens Deus? Aí, constatamos o dilema da
sua explicação existencial porque Deus, ao contrário do Universo, existe sem
qualquer causa externa. Interrogamo-nos de novo na forma em adoptarmos um
padrão para Deus e outro para o Universo. Ao longo das cerca de onze páginas
decorrentes desta interrogação, estes ilustres catedráticos mantêm-nos “presos”
a uma espécie de dualidade de desígnios, diríamos quase tentadora de
desmistificarmos a tentação – com desculpas para o pleonasmo – em pensarmos que
Deus é especial – que Deus, ao contrário do Universo, não requer um desígnio
exterior (p. 68). O livre-arbítrio, o sofrimento, o afirmar saber da
existência só porque se é crente, as respostas misteriosas, a perplexidade e
insegurança nas respostas, o fingir saber mais do que aquilo que de facto
sabem, preenchem a certeza de que há verdades científicas e há o mistério.
Ficamos com a sensação, induzidos pela teorização dos autores, de que não
são apenas os crentes que regularmente tentam encobrir mistérios. Também os
ateus regularmente os tentam encobrir. E ambos os grupos, quando tentam
esconder mistérios, tentam fazê-lo basicamente do mesmo modo: pretendendo saber
mais do que de facto sabem (p. 75); da Realidade – Será que
percepcionamos directamente o mundo real? Dos conceitos teológicos e
científicos, partimos para a realidade que vemos e sentimos directamente. Do
uso das teorias, os autores estimulam-nos a experiência e se há forma de sair
dela para uma melhor compreensão da realidade. E experimentamos a realidade das
coisas – e/ou objectos – familiarizando-nos com elas, sendo que a sua evidência
esconde o mistério de uma realidade: Mas porque todos sabemos o que são
cadeiras e que elas são reais, pressupomos que sabemos o que «torna» uma
cadeira real (p. 78). Sentados numa cadeira real, continuamos, a
convite dos autores, a ler o livro. E voltamos a questionar a realidade do
objecto: [...] mas, antes, o que torna a sua cadeira uma cadeira real em
contraste com uma cadeira não real – alucinatória ou imaginada (idem p.
78). Pela compreensão da realidade de um objecto tão simples como uma cadeira,
estaremos a um passo do caminho certo para compreender a realidade. Tudo
perpassa através dos conceitos, do significado por nós criado e dependente da
mente, das formas interpretadas e não interpretadas, das propriedades dos
objectos, da experiência visual depois de retirada a sua contribuição mental,
do movimento dos olhos e do pensamento, do componente interpretativo do tacto –
como a experiência de calor, de humidade, de plano, de macio e assim por
diante –, da percepção, etc. E a pergunta volta a ser colocada: O que é
então a realidade? A ponte é de novo estabelecida: Talvez se
compreendêssemos melhor a experiência conseguíssemos atravessar essa ponte e
descobrir a verdadeira natureza da realidade (p. 85); da Experiência
– Serão a sensação, a emoção e pensamento componentes da nossa experiência?
Dificilmente deixaremos de manter a ponte com os autores. A interactividade
permanece, estimulando-nos à consciencialização das emoções como uma mistura de
sensações e pensamentos. Suponha que se queima no fogão. O que acontece? A dor
é claramente uma sensação. Pensar na sensação é diferente do desconforto
provocado pela própria sensação: A irritação por se ter queimado é em parte
uma sensação no seu corpo, uma sensação de agitação e talvez de excitação
(p.87). Aqui, os autores ajudam-nos a raciocinar sobre as nossas sensações,
causadas directamente pela acção de objectos físicos reais e pelos nossos
órgãos sensoriais, sobretudo quando as mesmas podem influenciar as nossas
mentes. Ser dor é diferente de Causar dor. Sendo que a dor é uma
coisa e o pensamento é outra, e tendo em conta que o pensamento tem um
componente de sensação, é possível aventarmos a possibilidade de sonharmos
acordados, criando, circunstancialmente, fantasias visuais e vemo-las
manifestarem-se. As sensações internamente causadas, onde o pensamento ocorre
na forma de imagens auditivas; a experiência dissolvida em dois componentes:
sensações e pensamentos; a concepção elementar – leitor, dedo e dor – e o
dilema entre os conceitos mentais e as sensações, experimentalmente testadas
pelo tacto; a experiência sem a contribuição visual; a interpretação da
informação, sendo que o seu dedo não pode saber coisa alguma sem que a sua
mente interprete a pressão como pressão na ponta do seu dedo (p. 91); a
experiência do componente de pensamento da sensação, como próxima da explicação
científica; os átomos e a energia causada, dando inicio à cadeia de
acontecimentos que começam na ponta do dedo e termina no cérebro; a função do
sistema nervoso, impulsionador eléctrico ao cérebro; o sentir e o pensar, a
experiência e a realidade; são temas – e/ou interrogações – que perpassam ao
longo das dez páginas que este capítulo suporta e onde os autores nos alertam
para o facto da experiência que, longe de nos dar acesso directo à realidade,
bem poderá em última instância, construir pontes que nos levam [...] apenas
de volta a nós mesmos (p. 96); da Consciência – Quando
queremos compreender algo em termos científicos, explicamos esse algo em função
de outra coisa de tipo diferente? Neste capítulo (9), Kolak e Martin chamam-nos
à consciência de vivermos numa época reducionista, uma espécie de estratégia
que tem sido “imensamente bem sucedida”.
E tudo começa por tentarmos definir o que são mentes, corpo vivo,
moléculas orgânicas, átomos, electrões e neutrões e coisas do género,
envolvendo matérias como a física, a química, a biologia: por outras
palavras, as nossas mentes foram reduzidas à biologia, a qual foi reduzida à
química, a qual foi reduzida à física, a qual volta a deixar entrar a mente
pela porta de trás (p. 99). Segundo os autores, fugimos da consciência de
modo a seguir uma estratégia reducionista que, voltada sobre si própria, acaba
por nos deixar novamente com a consciência. Com um certo cunho de humor, sempre
nos vão dizendo que esta é uma pequena brincadeira da natureza do século XX. O
processo reducionista – chegando ao fim voltando-se de novo para si mesmo – e
as questões a este respeito são tão técnicas e os desenvolvimentos científicos
tão recentes que ainda hoje não mereceram a atenção dos filósofos ou dos
cientistas. A subjectividade da mente, a consciência e a experiência,
conjecturando-nos à compreensão e à experimentação, pelo facto de só a visão
nos poder dar a experiência da cor, enquanto o invisual nos remete, apenas, à
compreensão. No entanto, o invisual é ricamente científico, enquanto o oposto é
apenas rico em termos de experiência. E o que fica por descobrir – ao tentarmos
compreender a origem do Universo, por exemplo – “força-nos” a enfrentar a
estranha possibilidade de que o Universo – que existe em lado nenhum e que
nunca aconteceu – vem do nada (p. 101); do Cosmos – Será
possível o nada: que não há planetas nem estrelas? Da «consciência» partimos
para o «cosmos». A possibilidade de imaginarmos o vazio, preenchido por
objectos aparentemente sólidos e como sendo meras configurações de átomos,
racionaliza a outra possibilidade do Universo conter muito mais espaço vazio do
que matéria. O esforço em imaginarmos o vazio rodeado de vazio – sendo que o
mesmo está próximo do nada – como aquilo que somos (Cf. p. 103), faz com que
tenhamos que fazer um esforço menor para imaginarmos o próprio vazio. O exemplo
experimental apontado pelos autores, propondo-nos a observação do céu, da sala
onde estamos e de um espelho, concluiremos que tudo o que vemos é quase nada,
manifestando-se num extraordinário desafio de partirmos até ao Universo, que
está em parte nenhuma e existe em tempo nenhum (p. 104), constituído por
espaço vazio, perto de ser nada. Contudo, algo existe. As respostas
óbvias às nossas interrogações, sempre que somos confrontados com a “velha
máxima” de que Deus criou o Universo, então o Universo existe porque Deus o
criou, é um tema (problema – a principal realidade da Filosofia) aqui
inteligentemente “explorado” pelos autores, mesmo quando relançam o “nada” como
uma consequente explicação para a existência ou não de Deus. O confronto entre
a religião e a ciência, revelasse-nos pela argumentação dos físicos clássicos
de que a matéria não poderia ser criada nem destruída. E uma vez que o Universo
existe agora, tem de ter existido sempre. No entanto, que Deus existe é algo de
questionável e controverso. O Big Bang, o Universo nascido
explosivamente – resultado do colapso de um Universo prévio –, e as eternas
interrogações de como teria ocorrido, coloca-nos na possibilidade cíclica da
morte de um Universo e o nascimento de um outro (Big Crunch). Supondo-se
a não-teoria cíclica do Universo, voltamos à possibilidade da criação do mesmo,
a partir do nada. Novas dúvidas se levantam, a partir do momento que tomamos
consciência de que o nada é coisa nenhuma.
Passo a passo, Kolak e Martin, ajudam-nos a reflectir sobre o “estável”
e “instável”; a nossa existência num Universo bem ordenado – quando o nada
degenera em Universos caóticos –, suficientemente ordenado e estável para
produzir questionadores; a questão de sabermos por que razão existe algo em vez
de nada, sem que para isso seja uma questão científica: Porque existe algo
em vez de nada? Em última análise, porque algo – este Universo – existe
necessariamente (p. 110). Deus ou o Universo: aquilo que a religião entende
por Deus a ciência moderna entende por nada, “obrigrando-nos” a
especular a não existência de Deus e do nada, no espaço e no tempo, dado que
ambos dão origem ao Universo de espaço, tempo, energia e matéria. São os
próprios autores que nos dizem que tanto Deus como o “nada”, na sua diferença
sem importância aparente, dão origem à mesma coisa: o Universo; da Morte
– Mas o que é uma alma? E será que o leitor tem alma? Neste percurso de leitura,
voltamos ao nada, ou dele tomaremos consciência, dado que quando
morremos, os átomos do nosso corpo não vão desaparecer, pois, serão absorvidos
pelo solo, pelas plantas, pelos animais e pelas pessoas. Todo o ser vivo se
alimenta da morte. A vida auto-recicla-se através da morte – são
afirmações contidas na explanação dos autores. Para sobrevivermos à
decomposição do nosso actual corpo físico, teremos que sobreviver como algo
distinto do nosso actual corpo – talvez como alma. Apesar de longe ir o tempo
em que se apelava às almas para explicar o funcionamento do corpo – a
necessidade de substância espiritual para animar a matéria – apercebemo-nos nos
tempos que correm que a matéria é energia, substância física universal. É à
volta desta problemática que os autores nos conduzem ao sentido semelhável –
não fossem os microscópios electrónicos – de almas com os átomos físicos,
porque invisíveis a olho nu. Interrogando-se e interrogando-nos
permanentemente, subsistem as dúvidas quanto ao que sobrevive à nossa morte
corpórea: os fenómenos psíquicos da sobrevivência à morte corpórea como uma
alma; a sobrevivência como seres materiais ou espirituais; o perder da
individualidade fundindo-nos com o cosmos; a vida depois da morte como sinónimo
de sobrevivência, crença apoiada na fé; a fraude – sendo possível que a
memória tenha sido estimulada por uma certa informação que adquiriu de uma
forma normal (p. 119); as circunstâncias desconhecidas, mas vulgares; o
fenómeno psíquico, com percepção extra-sensorial, tendo em conta que nem as
modernas histórias de tais fenómenos nem as velhas histórias religiosas se
manifestam numa grande ajuda. Acabamos onde começamos: com a vida antes da
morte. E a ponte prossegue: E assim, no fim de contas, sempre temos vida
depois da morte. Temo-la onde nunca julgamos tê-la: Aqui (p. 121); do Sentido
– Porque estamos aqui? Que sentido faz tudo isto? Será que a vida tem algum
propósito ou sentido? O propósito de estarmos ocupados a tentar ser bem
sucedidos tira-nos a preocupação do sentido. Mas, mesmo assim, mantemos a
curiosidade de saber que sentido faz a nossa vida e o porquê do aqui e agora.
O sentido da vida é uma permanente procura e “luta” dos ricos e dos
pobres: uns lutam, enquanto os outros lutam por sobreviver. São insuficientes
as respostas, quando temos respostas a mais, residindo aí o facto de que, quase
sempre, as respostas são dadas ao problema errado. Pretende-se responder à
questão do sentido da vida, quando aquilo de que precisamos é de uma
solução para as lutas da vida. Kolak e Martin insistem em nos exercitarem o
consciente: Por que razão a vida é uma luta? Para nos envolvermos numa luta,
tem que haver algo ou alguém que represente a resistência que leva a essa luta.
Para se acabar com a luta ter-se-á que, necessariamente, acabar com a
fragmentação que dá origem à resistência. Porém, dizem-nos os autores: o
problema é que não queremos acabar com a luta à custa de sermos dominados
(p. 125). A luta interior – “Está a ler este livro. É muito improvável que
alguém esteja a tentar dar-lhe um tiro” – como forma de dominarmo-nos a nós
próprios, sendo que uma parte de nós tenta dominar a outra; a essência do
conflito interno, aumentando o hiato ao distanciar-nos de nós próprios; a
tentativa de deixarmos de ser como somos ou vice-versa, aceitando as causas dos
nossos vícios; o tipo de sucesso, quando estamos apenas a falar da carreira
profissional – o sucesso profissional e pessoal não andam necessariamente
juntos (p. 127), contando com a aprovação dos outros; o sermos felizes, por
contribuirmos para a felicidade dos outros; o sermos eremitas; o cuidar da
imagem como algo idealizado, exagerando a dimensão da nossa independência,
procurando, ao mesmo tempo, não admitir a dimensão da nossa dependência;
disfarçar a importância que damos ao que os outros pensam de nós, gostando
pensar que não nos importamos, provocando em nós uma tensão interior: uma
luta interna entre aquela parte de nós que deseja aprovação e aquela parte que
deseja a independência da necessidade de aprovação (p. 128); a actividade
de nos mantermos em boa forma física, punindo-nos por obrigação ou por gostar
do acto físico; a chave do sucesso na vida ligando-nos não a um produto mas a
um processo; são algumas das muitas questões que se nos colocam a propósito do
significado da vida, sendo que a vida é uma luta porque o leitor se encontra
dividido contra os outros e contra si próprio (p. 133); da Ética
– Como podem as autoridades encarregues do seu condicionamento saber que o
leitor é mau por natureza? Numa escrita escorreita, Kolak e Martin apontam para
a realidade presente de pais, professores, legisladores, políticos e líderes
religiosos estarem a treinar-nos para nos ajustar ao mundo que eles herdaram
dos seus pais, dos seus professores, dos legisladores, dos políticos e dos líderes
religiosos, os quais por sua vez os herdaram das suas autoridades e assim por
diante (p. 135). Em matéria da «Ética» coloca-se a questão de quando é que
alguma vez se permitiu às pessoas a possibilidade de descobrirem por si
próprias como é a vida e a tomarem decisões por si próprias sobre como viver
melhor, sem terem sido incitadas por agentes exteriores à suas próprias
vontades. Tomando como hipótese de as pessoas serem naturalmente más,
aventaremos subsequentemente a possibilidade das autoridades (agentes
exteriores) serem igualmente más, com a diferença de – para além de serem más –
serem também poderosas. A procura da verdade universal num universo
relativista; a mulher e a luta travada pela sua emancipação numa sociedade
patriarcal; o bastião da autoridade à volta de «Deus», como revelador da
verdade, pondo em confronto o intuito de se proporcionar ajuda com a prática da
intolerância, da violência, do derrame de sangue, do sofrimento, da repressão,
da confusão, do medo, do ódio e da morte; a secularidade das “autoridades”, que
afirmam que as suas respostas não estão fundadas na fé mas na razão quando,
na “verdade”, têm sido tão impiedosas, tão dogmáticas, tão corruptas e
perversas como as suas contrapartes religiosas (p. 139); a estrutura social
onde são cumpridas as ameaças de quem sustem o poder; os problemas que se
levantam no caso das autoridades externas e da própria consciência; são temas
que completam o raciocínio dos autores, levando-nos a reflectir sobre o
enraizamento das ideologias familiares, sociais, religiosas e políticas, “que
nos falam de dentro, guiando-nos com os nossos próprios sentimentos”. E a
pergunta fica no ar: Assim, que razões há para confiar em «quem quer que
seja – incluindo em si mesmo –» para nos dar orientação moral?; e, finalmente,
dos Valores – Qual deverá ser o valor nas nossas vidas? Este
último capítulo, aborda a perspectiva parcial dos valores que herdamos e que ao
longo das nossas vidas nos têm dito para os adoptarmos. E quando pensamos na
decisão seguida pela nossa própria consciência, seguimos uma consciência que
é em si, largamente, o produto do elaborado condicionamento cultural e social (p.
143). Os autores prosseguem no raciocínio confrontando-nos com a obsessão de
conseguirmos o que queremos e a subsequente frustração que, normalmente, exala
cinismo, pelo facto de muitas vezes já não querermos o que então pretendíamos.
O insuficiente e o insatisfatório; a cruel constatação da morte como o fim nos
espera (e depois os vermes); a extinção da humanidade, já que não podemos
existir para sempre; a resistência às
respostas herdadas e a valores em segunda mão; o enfrentar corajosamente o
Universo em desintegração; o questionamento de valores, limitado e limitador, e
a forma de podermos sair completamente do nosso quadro de referências de
valores; o suspender das nossas obrigações, como forma de pormos de lado os
nossos valores familiares e culturais e ir além da nossa consciência (p.
145); as ideias acerca do certo e do errado, do bem e do mal, do bonito e do
feio; o juízo intencional de julgarmos o aborto como moralmente permissível,
quando poderíamos dizer que feto não é um ser consciente; a distinção crucial
entre os valores e os factos; o essencial para o significado de valor, mas não
para o juízo de facto; a nossa posição sobre a existência ou não de Deus, por
sermos influenciados pela nossa obrigação para com as regras; a capacidade para
distinguirmos os valores dos factos; os nossos órgãos sensoriais e a capacidade
de responderem aos estímulos factuais – a ondas de som, a ondas de luz, à
pressão e assim por diante (p. 150); as dúvidas sobre o realismo; o
julgarmo-nos a nós próprios e aos outros, valorativamente; são temas abordados
e exercitados numa permanente deambulação entre as perguntas e as respostas,
com o intuito de nos levar até ao alcance de uma perspectiva imparcial
superior, apreendendo, observando e agindo, valorativamente, ainda que a
vacilação da consciência nos faça pronunciar alguma artificialidade na emoção,
no pensamento e no movimento.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que este livro completa-se
integralmente através da sinopse da contra-capa, a nosso ver, onde,
irrefutavelmente, se reflecte a expressão objectiva do tema – neste caso, da iniciação
à Filosofia – e do interesse a despertar através da sua leitura: «Como o
apresentaria Sócrates ao estudo da Filosofia? Provavelmente como faz este
livro. Trata-se de uma obra deliciosamente provocadora que o ajuda a entender a
filosofia como a entendiam os grandes filósofos: uma actividade feita de
questionamento e raciocínio, e não apenas um conjunto de informações. Em 14
capítulos cheios de vivacidade, aprenderá a evitar as respostas fáceis e será
conduzido ao mundo fascinante do pensamento filosófico. Serão examinadas
algumas das questões fundamentais». De facto, na qualidade de leitores,
corroboramos da ideia que nos fica da abordagem frontal das perguntas,
permitindo-nos através dela explorar os modos como elas (as perguntas) nos
afectam: Deus existe?; Porque existe o Universo?; O que é o eu?; Qual o
significado da vida?; Que é a morte?; Dispomos de livre-arbítrio?; Que é o
conhecimento?; Que significa a moral?, etc. As respostas preconcebidas são
abandonadas logo à partida, face à aprendizagem no pensar de forma crítica “nas
ideias filosóficas que podem transformar a sua vida” – cit. sinopse.
Quase que arriscaríamos em dizer, mais por dedução que por intuição, que
se trata de um livro interessante para quem se pretende iniciar na actividade
da Filosofia.
[1]
Daniel Kolak é professor na Universidade de New Jersey e Raymond Martin na
Universidade de Maryland. Ambos são autores de uma outra obra: «The Experience
of Philosophy».
[2] Segundo os autores, o problema é que cada um
de nós «ficou dependente de um complexo sistema entrelaçado de respostas
metafísicas acerca do eu, do conhecimento, da realidade, dos valores e do
sentido» - cit. p. 13.
Que tese defende o autor?
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