quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Entre o Mar de Viana e o ouvir e falar com as pedras!...

«Não há adolescente nenhum que, mais cedo ou mais tarde, não oiça o cantar da sereia dos desejos impuros. Uma alma elevada, um coração virgem e um grande ideal poderão salvá-lo do desastre…»

 

Tihamér Toth

 

Mar de Viana, o instantâneo da espuma e da areia apanhadas em delito de paixão, enquanto as gaivotas, com o planar das suas asas rasgando as ondas, aumentam em nós a felicidade e o prazer extasiantes. Mar de Viana, local único que nos ajuda a descomprimir e a sentirmos aquele abraço de africanidade – memória de uma infância e Juventude Radiosa: «Uma aragem fresca agitava brandamente os ramos e, ao perpassar pelos canaviais, ouvia-se um ciciar misterioso como se as canas estivessem contando umas às outras a doce alegria de viver» (Toth, 1956: 17) –, qual “trova do amor lusíada” em Manuel Alegre, nos faz marinheiro com mãos que despem «como se o vento abrisse / as janelas do nosso corpo…». Mar de Viana, o Mar cujo vento (embalado pelo canto das sereias e o bater das asas das gaivotas) nos leva para Sul e nos faz desaguar com Amor, na Baía de Luanda.


Entre o ouvir e falar, olhando o Mar de Viana, há momentos na nossa vida que nos sentimos, intelectualmente, como um SEM-ABRIGO, mas por intromissão daqueles que, por “malformação”, não sabem distinguir a “divergência” entre DIFERENÇA e ALTERIDADE. Tal como Aristóteles, também nós achamos que a diferença entre as duas coisas implica determinação daquilo em que diferem.

Por outro lado, Kant ao considerar as noções de identidade e de diferença como noções transcendentais, acaba por estabelecer em nós a noção clara de que a IDENTIDADE e a DIFERENÇA são «conceitos de reflexão», que não se aplicam às coisas em si, mas aos fenómenos. Fenomenalmente poderemos ser um “sem-abrigo”, mas possuiremos sempre, por “boa formação” genética e intelectual, a notável ALTERIDADE de discernirmos a LUZ e o ABRIGO para combatermos o “mal”, enquanto último grau do SER.

Retorno à unidade primordial, reintegração universal. Apesar de todas as turbulências da vida, sempre vamos conseguindo resistir ao sopro da transmigração, da metempsicose. Estamos numa de reminiscência, espécie de lembrança latente do estado da alma. Sim, não existe um ensinamento, mas uma recordação e a ignorância é o esquecimento das verdades inatas. Acreditamos piamente que no futuro alguém se recordará de nós. É aí que reside a nossa fé!

Em SILÊNCIO, longe das multidões e sem tocar o sino, gostamos de ouvir e falar com as pedras!

 (InCardeal Saraiva (Ponte de Lima), Ano 114, n.º 4917, 21 de julho de 2023)

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