terça-feira, 15 de agosto de 2023

Entre os livros: o sonho e a realidade!...

 «Os dias calam-se. A tua terra adormeceu. / A carne de agosto é morna agora. Tu voas / a tarde das aves que voando sossegam. Tu és / taciturna e tens no azul a fadiga do corpo. / As asas cansadas, de vento suave adejam. Sonham. / Tu sabes que as aves sonham. Não. Não te vou falar / das madrugadas. A luz nova das formas move-se / caindo de sombra…»

 

Fernando Hilário

(In, A Exposição da Luz, p. 17)

 

Estamos de volta – no momento em que iniciamos a leitura d’A EXPOSIÇÃO DA LUZ de Fernando Hilário, editado em Aveiro (2016), sob a chancela da «adverte: publicidade edições» –, numa de «abstração reflexiva», processo que incide sobre as nossas próprias ações ou operações cognitivas, dando por nós a termos um dia sonhado, em sermos diretor de um “Centro (Cultural) de Objetores de Consciência” qualquer, pondo mesmo as estruturas cerebrais a serem candidatas a desempenharem a função de comparação e de deteção de erros: «Quem sobre a imobilidade das noites dorme / não ouve os sinais que flutuam nas palavras / nem lhes escuta o azul dos risos…» (Hilário, 2016: 16).


E se assim sonhamos, o fator de produção da ação cognitiva (sonhadora) acabou por encobrir uma inevitável dificuldade de fundo, só porque essa ação se construiu de maneira implícita e não de maneira consciente. Resta-nos o sonho da inevitável «aposentação interior-compulsiva», por vontade própria, antes que a responsabilidade da ação implícita possa vir a ganhar contornos de humilhação.

Sem maquilhagem, apenas com a necessária correção ótica – extensão, enquanto porção de espaço ou característica dos corpos de se situarem no espaço e dele ocuparem uma parte –, por forma a procurarmos o argumento ontológico de vencer a distância que separa o possível do real ou a lógica da existência, enquanto contingência da nossa própria liberdade. Será sempre através dos nossos atos e opções, fazendo a distinção entre experiência (padrão ideal), investigação ativa e metódica, que decidiremos o sentido que pretendemos dar à nossa vida.

E ainda há quem acredite que possa viver, única e exclusivamente, do banho das multidões. Antes o lado platónico de Mónada, como forma de designar a ideia enquanto realidade una, sempre idêntica a si própria e incorruptível. Olhos nos olhos, com ou sem gasóleo no carro ou templo que nos transporta a mente.

Por vezes é preferível falar com os livros, reconhecendo o silêncio sobre a área vazia do nosso refúgio criativo e de leitura (sombra sem ser assombrado), sonhando com um mundo para além deste: «(…) Uma extensão / de rio, um leito sobre um árido profundo, parado. Um fundo / suspenso na origem do frenesim das mãos. Reconheço / os alvores das morfologias, o azul a despertar da luz / abraçada à luz…» (Hilário, 2016: 40).  

Sim, há mais mundo para além deste!

[Cardeal Saraiva (Ponte de Lima), Ano 114, n.º 4919, 04 de agosto de 2023.]

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