«Quanto às impressões que
têm origem nos sentidos, na minha opinião e a sua causa última é perfeitamente
inexplicável pela razão humana e há-de sempre impossível decidir com certeza se
elas têm origem imediata no objecto, se são produzidas pelo poder criador da
mente ou se provêm do Autor do nosso ser…»
David Hume
David Hume [N. Edimburgo, 1711 – m. Edimburgo, 1776],
filósofo, economista, escritor e historiador inglês, tal como sustentaria Paul
Strathern, é o primeiro a admitir o seu pendor ateísta, frequente acusação de
que eram alvo alguns dos filósofos que o antecederam, numa altura em que tal
adjectivação não se traduziria, por certo, em elogio para ninguém. Antes pelo
contrário, os filósofos enfrentariam graves dificuldades de forma a convencerem
as pessoas da antítese à “ordem estabelecida”. Sendo que David Hume admitiria o
confronto com a teologia, tal acto – diríamos, atitude ou acção –, levá-lo-ia a
ser protagonista de um escândalo público, cuja dissuasão pretendida pelos seus
opositores se baseava numa argumentação filosófica, e não em eventuais
torturas.
Se no início da era Cristã, a filosofia foi absorvida pela
teologia, centrada na aceitação de textos elaborados, por forma a construir-se
novas argumentações dogmáticas, a partir Descartes (Séc. XVI), considerado como
fundador da filosofia moderna, despreza-se os velhos pressupostos e a
fundamentação assenta na filosofia da razão, ou seja, no método para conduzir a
razão na busca da verdade, tentando unificar as ciências. Através deste
“processo” procurava-se demonstrar que era possível negar tudo. Meio século
mais tarde, John Locke revolucionou a noção de conhecimento ao introduzir o
empirismo, cujo argumento defendia o princípio fundamental da filosofia, não na
razão, mas na experiência. E David Hume procurou ir mais longe, ao querer
demonstrar que já não era possível a construção de sistemas filosóficos,
opondo-se, claramente, ao “penso, logo existo” de Descartes, com “a explicação
da identidade pessoal: o «eu» como feixe de representações”. Daí, ser
considerado o último representante dos empiristas britânicos clássicos: Thomas
Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704).
O projecto de David Hume é, por assim dizer, o de construir
uma ciência do homem, por forma a se “descobrir os princípios que regem as
operações do pensamento”. Nesse sentido, esta é a “causa-efeito” negativa,
vulgarizada nos tempos que correm, principalmente quando os ajumentados “objectores
de consciência”, com pardieiro montado nos palanques da política e dos
audiovisuais, se convencem do contraditório em relação àquilo que David Hume
denominaria de “impressões”, as percepções que penetram com maior intensidade e
violência e, sob esta designação englobou todas as nossas sensações, paixões e
emoções, quando surgem pela primeira vez na “alma”; enquanto por ideias,
referir-se-ia às suas distintas imagens no pensamento e raciocínio. Ou seja,
enquanto as ideias podem ser distinguidas umas das outras pela sua “vivacidade”
(apoio empírico), as impressões gozam de primazia genética sobre as ideias,
dado que possuem uma qualidade (“vivacidade”) superior às ideias. Se é que
interpretamos bem, o mesmo acontece com as ciências matemáticas, cuja grande
vantagem sobre as ciências morais, reside no facto das primeiras nos oferecer
sempre clarividência e determinação, sendo facilmente perceptível a mais pequena
distinção entre elas, face à ausência de ambiguidade ou variação na forma de
exprimir as mesmas ideias. Normalmente, os mesmos termos exprimem as mesmas
ideias, invariavelmente.
Por isso, sempre que ouvimos os “papagaios” –
dissimuladores de sapiência multidisciplinar – na TV (a tal caixinha-mágica),
recorremos ao “zapping”, na expectativa de melhores alternativas, ou ao “off”,
quando constatamos da lixeira e da desinformação que por lá pairam. É uma
questão de defesa contra o “feixe de representações” de tais actores,
creditados na existência das substâncias, quando para David Hume não existiam,
tendo em conta que os corpos materiais são meros complexos de sensações; e, o “Eu”
mais não representa que um feixe de sensações. Por outras palavras, se em
nenhum momento temos uma percepção de nós mesmos, muito menos terão os
“papagaios”… Veritas odium parit!
Momentaneamente, como forma de remissão dos nossos
“pecados” ou fragilidades cognitivas, valha-nos o futebol, para nos alegrar ou
entristecer.
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