«Os pensamentos são
velhos, novos são os rios dos que nos induzem ao pensamento».
Boaventura Rodrigues Silva
Não há encontros ocasionais. Nem empatias. É uma questão
energética!
Há muito que devíamos o testemunho arrancado ao silêncio e
à escuridão, aqui pelas páginas impressas deste filho herdado (ADN positivo) do
bom amigo Gualter Bacelar. A última vez que o fizemos foi em finais de Setembro
do ano sétimo deste milénio, com Os Meninos
do Rio, altura em que elegemos o nosso rio para confidenciarmos,
desabafarmos, amarmos em silêncio, longe das penumbras, das noções articuladas
do SER, do movimento nuclear das premeditadas antropodiceias (excitantes e
excitadas no “bem-estar” de então), do estar e fluir nas defecadas paragens,
impregnadas pelos “cabaneiros” sem arribanas, mas senhores do seu nariz, com paragem
obrigatória em Terras da Nóbrega,
qual Jardim dos Poetas nos faria
ignorar a saudável “algazarra” dos meninos do rio.
Escrevemos na altura que os ditos “meninos” nasceram junto
ao rio e vivem para ele, mergulhando, flutuando e nadando como peixes
prateados, unidos, solidários e vocacionados para a necessidade lógica de
“dominarem” o seu próprio universo. Hoje, por certo, terão ultrapassado as
vinte e muitas translações e gravitarão por outras paragens e outros rios. Ou,
quiçá, outros mares!
Boaventura Rodrigues Silva, homem nato em Terras da Nóbrega, aspergido com água benta em
Touvedo, sob o domínio de um Salvador, há mais de sessenta translações, também
ele Menino do Rio, se fez Homem sob
um “fio-de-prumo” que o faria vir a sentir medos sem os escrever, a não louvar
hipocrisias, aprendendo a amar o uivo dos ventos e a fúria dos mares, que
condicionam os tempos. Tomamos-lhe por empréstimo o seu «Eco dos Sedimentos», eco espaço impresso por altura em que
falamos dos Meninos do Rio, nossa
décima nona crónica do “Átrio e do Lethes” (NB, Ano XXXI, n.º 952, 26 de Setembro
de 2007), porque envolvidos por similares “Maleitas das Paixões” endeusadas por
“Vénus”: «…Não sois lindas mulheres /
Sois maravilha!... / Mas prodigiosos e belos / Corpo e pernas / Boca e seios /
São os da mulher / Minha mãe…» (p. 23); por noites alucinantes que nos
acordam e nos incitam à pueril rebeldia: «…Noites
eivadas / De abutres / Piando e pairando / Sobre nossos corpos / Exaustos de
tantas / Entregas…» (p. 35), cheias de erotismo, exotismo, coqueiros e
Baía; ou por uma cabana e pelos beijos: «Como
pincéis embriagados / De tinta pueril / Poisavam à porfia / Sobre o pedaço do
mapa / Do teu corpo…» (p. 42).
Pelo «Eco dos Sedimentos» de Boaventura, perpassam ainda
aulas de experiência; maturações, onde o esmagamento agita ainda mais a
docilidade; búzios que as marés ousam beijarem; lodos petrificados, assentes no
ontem, hoje e amanhã, por forma a estriparem o silêncio nocturno; ARTE, onde
não importa saber o artista, dado o mesmo morar em sua obra; negação de voltar
a ser menino outra vez; virtudes e suplícios; fazedores do pão; impérios da
saudade; meninos do azar: «…Por isso é
que / Vegetam / Tantos meninos / Sem arrimo / E não há / Cobertor que / Quebre
o gelo / Aos meninos / Do desamor» (p. 63); crisântemos e chaves,
esquecidas, com as quais alguém, ao fazer amor sem Amor, acabaria por expugnar
«todos os recantos e pecados indizíveis…». Poesia sofrida, mas combativa e
indobrável. Cepticismo de um homem simples? Talvez não, dado que, mormente, por
trás de uma aparente simplicidade, transfigura-se um homem, geneticamente
libertário.
Como vês, Boaventura, também nós, nada te devemos, porque
não acreditamos no acaso, mas na VONTADE, em obediência à qual, com esforço,
nos forjamos coléricos, fazendo-nos também fortes, neste “Oceano” de aparências,
cujo interior agitado, procura ostracizar-nos. Antes Meninos do Rio que “pajens” de poderes instituídos, porque, no teu
dizer, temos a coragem de dizermos NÃO com irreverência à opulência,
conscientes de que a “Revolução” começa em nós.
Continua assim, Amigo/Irmão Boaventura Rodrigues
Silva, mesmo que tenhas o «corpo cansado
/ Do tabaco, de cantigas / Coração despedaçado / Por amor de raparigas…».
Conta connosco, hoje e sempre!
(In, «Crónicas do Átrio e do Lethes 21» - Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1245, 30 de Maio de 2016, p. 11)
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