A água é o fogo do poema
nenhuma sede na corrente,
só fogo e água
eis quando o amor nos aceita
pela sua morosa noite,
nada mais pode fazer
do que arder em lágrimas…
Amândio Sousa Dantas
Quando menos contamos, o impensável
acontece. A nossa estrutura mental reveste-se de algo profundamente enigmático.
É como o sentir de um abatimento ou aflição; experimentar continuamente
tristeza, ansiedade, ânimo muito baixo ou sensação de vazio. No fundo, um
sentimento de que a vida não tem sentido nem valor, que nada tem de interesse.
A letargia, fadiga ou sensação de não termos energia, retiraram-nos a
serenidade e, subsequentemente, leva-nos ao pessimismo e perda de esperança; à
baixa autoestima e ao sentimento de culpa. Pois é, ilustre amigo e Poeta
Amândio Sousa Dantas (1944-2022), hoje fomos acometidos de uma dor profunda, um
impacto desnecessário de desesperança e pessimismo. Não era previsível este
desfecho; esta diminuição de energia, fadiga, esgotamento e sensação de estar
em «câmara lenta».
Algumas pessoas questionar-se-ão do nosso
persistente atrevimento em falar deste inspirado vate limiano, quando já o
fizemos por inúmeras vezes, nomeadamente numa das nossas crónicas, neste mesmo
jornal – a propósito da sua magnífica Antologia Poética, Poemas Sem Fim
(1994-2006), onde reúne as suas obras: Perfeito
chão de voar (1994); Sombras e ramos
sobre o peito (1997); Infinita é toda
a nascente (1998); Há uma eterna
liberdade (2000); O instante é a tua
face no poema (2001); Pousado no
silêncio (2003); e, No ombro o
orvalho (2006) – e no “Anunciador das Feiras Novas, onde o batizaríamos de
«Um Poeta Mesológico do Lethes e do Mundo».
Na altura, fizemos questão de salientar
que sempre soubemos perscrutar-lhe a alma, porque o sentimos possuidor das três
distinções mais imediatas e óbvias do mundo da mente: o “Puro Intelecto”, o
“Gosto” e o “Sentido Moral”, parafraseando Edgar Allan Poe quando afirma que
“da mesma maneira que o Intelecto se preocupa com a Verdade, assim o Gosto nos
informa sobre o Belo, enquanto o Sentido Moral se responsabiliza pelo Dever”.
Achamos que, pelo ajuste das distinções, não serão necessários mais condimentos
ou adjetivações para considerarmos Amândio Sousa Dantas, sem o acantonarmos ao
nosso espaço geográfico e sem menosprezarmos outros poetas que tanto admiramos,
um dos grandes poetas contemporâneos nacionais.
Tal facto, tendo em conta a nossa
convincente afirmação (tão só, sedimentada pelo nosso gosto pessoal),
permite-nos, ao mesmo tempo, formular alguma conceção especulativa no que
concerne à “mimese poética” de muitos outros poetas – e poetisas – de quem
gostamos. E não são poucos, tendo em conta que todos eles têm o seu lugar
próprio na nossa perceção cognitiva – escolha
de uma impressão, ou efeito, a ser transmitido (E. A. Poe) – de cada um. À
sua vez, falamos de todos aqueles que, “poetando”, nos criam um estado
emocional, uma saudável nostalgia ou uma sonorização melódica – sim, com certa
musicalidade –, transmitindo partilha de pensamento (mesmo quando na dor),
porque a poesia se repercute na linguagem humana, utilizada com fins estéticos,
compreendendo mesmo aspetos “metafísicos”, no sentido de sua imaterialidade e
da possibilidade de se transcender ao mundo fático.
No nosso último apontamento sobre «a
prova do silêncio em Amândio Sousa Dantas», a propósito do seu [último]
brado poético O SILÊNCIO DAS NUVENS, pensávamos nós na altura, em epílogo,
ainda que através do nosso subjetivo sentir, aquele era o nosso “retrato do
poeta”. O POETA a resgatar!
Hoje, sentimo-nos atraiçoados pelo
“espelho mágico” da vida. Talvez pudéssemos ter feito algo mais pela noite que não dorme, / o sorriso do dia, / a
vida de óculos escuros, / o sol fugidio... – no dizer do Poeta, no céu azul,
no fogo, na ternura do mar, na nuvem, na tempestade, e o coração no éter,
fórmula mágica que assegura o calor dos corpos e a função dos cinco sentidos,
gravando todos os acontecimentos: MEMÓRIA.