quinta-feira, 8 de maio de 2025

BRUMAS DO TEMPO (I)

A manhã despontava envolta num véu espesso de nevoeiro, cobrindo a feira que se erguia junto ao campo de árvores e relva molhada. As barracas, ainda em silêncio, pareciam flutuar no meio da névoa, suas cores apagadas pela luz difusa do amanhecer. O ar, pesado e húmido, trazia consigo o cheiro fresco da terra e das folhas, enquanto as figuras dos feirantes surgiam aos poucos, como sombras que ganhavam forma na bruma. Os sons abafados das primeiras conversas e o arrastar de caixas misturavam-se ao canto distante de um pássaro, criando um ambiente suspenso, onde o tempo parecia correr mais devagar, imerso naquele momento de calma quase onírica.

Naquele cenário, a feira parecia não ser apenas um encontro de gentes e mercadorias, mas um espelho da condição humana. O nevoeiro, que escondia os contornos e apagava as fronteiras, evocava a própria incerteza da existência. Quem somos, senão figuras em formação, caminhando na névoa de nossas dúvidas e sonhos?


Cada barraca, com seus produtos por dispor, lembrava as potencialidades da vida: aquilo que ainda não se mostrou, mas já contém em si a promessa de vir a ser. E as conversas tímidas que surgiam pareciam o início do diálogo eterno entre o que é e o que pode ser, uma tentativa de preencher a distância entre o real e o ideal.

A luz do amanhecer, filtrada pela névoa, não iluminava por completo, mas sugeria – como se o conhecimento pleno, tal como a manhã clara, fosse algo que só se alcança aos poucos, através da paciência de quem observa. O canto do pássaro, perdido na imensidão, era um lembrete de que, mesmo na incerteza, existe um chamamento. Um convite ao movimento, ao agir, ao mergulho na efemeridade do instante.

O nevoeiro começava a dissipar-se, lentamente, deixando ver o colorido tímido das mercadorias e os rostos já mais nítidos dos feirantes. O mundo retomava sua forma concreta, mas não sem antes oferecer aquele momento de transição, onde o palpável e o etéreo coexistiam. E na essência daquela manhã, tão breve e indefinível, revelava-se uma verdade subtil: o instante que hesita entre ser e deixar de ser é onde reside a poesia da vida!


(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 42, quinta-feira, 19 de dezembro de 2024, p. 39)

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