quinta-feira, 8 de maio de 2025

BRUMAS DO TEMPO (IX)

 Salvador Vieira (1937-2017): Entre a Arte e o Rio. Nasceu onde o Lima se deixa abraçar pela terra. E como o rio, seguiu o seu curso – ora sereno, ora indomável – sempre fiel à corrente invisível que o ligava à arte e ao lugar de onde veio.

Estudou em Paris, aprendeu técnicas e teorias, mas foi no regresso, no reencontro com a sua terra, que o seu talento encontrou raiz. Mais do que moldar a matéria, Salvador Vieira moldava a memória – as mãos no barro ou gesso como quem cuida da infância, como quem devolve à escultura e à pintura o pulsar da vida que nela dorme.

Nos espaços públicos de Viana e Ponte de Lima, as suas esculturas não são apenas obra, são gestos humildes de quem ofereceu o que sabia ao mundo que o viu crescer. O Homem do Rio Lima guarda a entrada da ponte, não como guardião, mas como testemunha silenciosa da alma fluvial que corre por dentro da vila, com o olhar sereno sobre a cidade.

Nas suas “Memórias do Campo” e na “Alegoria às Feiras Novas e ao Folclore”, não há vaidade, apenas respeito. Salvador não quis monumentos para si, quis celebrar os outros – o povo, o trabalho, a festa e a dança que dão forma ao verdadeiro património de uma terra. Nem o “Cardeal Saraiva” foi esquecido.

E assim foi também como Mestre. Não se fez mestre distante, mas companheiro de aprendizagem, partilhando o que sabia com a mesma generosidade com que dava forma à pedra e ao bronze. Entre a arte e a docência, o seu legado é um só: a certeza de que nada é maior do que a humildade de quem sabe ouvir a terra e as suas gentes.

Salvador Vieira não esculpiu apenas formas visíveis – esculpiu e pintou o vazio sagrado onde cabem o olhar, a memória e o futuro.

(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 09, quinta-feira, 13 de março de 2025, p. 25)

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