sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (X)

 Nem sempre tudo vai bem quando bem devíamos estar. O corpo, frágil embarcação na travessia do tempo, carrega as marcas das viroses da carne e dos cansaços da alma. Cada febre e cada dor são murmúrios de uma vida que pulsa, teimosamente, porque sabe que é feita para durar. Entre o desconforto e a cura, aprendemos a resiliência – essa arte de permanecer de pé mesmo quando o vento nos dobra. A fonte, com seu espelho de água, é um convite à comunhão.


A mão que toca a superfície não apenas perturba a imagem, mas funde-se ao próprio elemento. Bebemos da água como quem bebe da própria origem. Somos feitos dela e por ela seremos dissolvidos um dia. Mas enquanto respiramos, cada gole é uma celebração, uma renovação do pacto com a Terra-Mãe, que nos acolhe sem cobrar promessa, oferecendo sombra, frescor e alimento.

A natureza, na sua generosidade silenciosa, ensina-nos o que esquecemos nos labirintos da pressa moderna: é na simplicidade da água, do ar puro, da terra húmida, que mora a cura verdadeira. Ainda que martirizados pelas enfermidades de ocasião, reencontramo-nos inteiros nesse ato primordial de respirar junto ao jardim, de molhar as mãos na fonte, de beber da própria essência da vida.

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 10, quinta-feira, 20 de março de 2025, p. 17)

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