sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMA DO TEMPO (XV)

A Romaria de Nossa Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, e a Romaria de Nossa Senhora das Boas Novas, em Mazarefes, embora distintas na forma e contexto, encontram-se unidas pela mesma matriz simbólica e espiritual: o anseio humano de proteção, gratidão e sentido diante da incerteza da existência. Ambas representam manifestações profundamente enraizadas na experiência das comunidades piscatórias, cujo quotidiano se desenrola entre a vastidão incerta do mar e o abrigo precário da terra.


Nossa Senhora da Agonia é invocada antes da partida, no momento da entrega do ser ao desconhecido, onde o medo da morte e da perda se impõem. Já Nossa Senhora das Boas Novas é o símbolo da chegada, do retorno seguro, da esperança cumprida. O seu andor, réplica de uma nau, e a rara iconografia da caravela nas mãos, evidenciam essa ligação visceral entre fé e travessia. O mar torna-se metáfora da vida – ora serena, ora revolta – e a fé é o fio invisível que liga o ser ao sentido, perante a finitude.

Filosoficamente, estas romarias traduzem o paradoxo da condição humana: o desejo de transcendência perante a vulnerabilidade. Psicológica e existencialmente, elas revelam a busca de um lugar de pertença, consolo e identidade. A imagem da Senhora com a caravela remete para a travessia interior do sujeito – a peregrinação da alma que, ao enfrentar os perigos do “mar de si mesmo”, reconhece a necessidade de um horizonte espiritual que o salve do naufrágio do vazio. Assim, estas manifestações não são apenas festas religiosas, mas rituais do ser em busca de sentido.

 (In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 15, quinta-feira, 08 de maio de 2025, p. 22)

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