sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (XI)

A Porta do Tempo. Diante desta antiga porta lateral da Igreja de São Bento, em tempo de chuva, sentimo-nos perante um limiar entre o passado e o presente. Fundada em 1545 e construída em 1549, para acolher jovens raparigas, sobretudo filhas da nobreza local, o convento nasceu como um refúgio, um espaço de recolhimento e proteção num mundo onde o destino das mulheres era, muitas vezes, decidido por convenções. Aqui, entre paredes austeras e orações sussurradas, vidas se moldaram ao ritmo da fé e das expectativas da época. Algumas encontraram na clausura um chamamento, outras aceitaram-na como um destino inevitável.


Durante cerca de uma década e meia, o chão apodrecido impediu que os passos dos fiéis cruzassem este espaço na Quinta-Feira Santa. Mas a partir de 2023, com o soalho renovado, as portas reabriram, e com elas ressurgiram um elo entre séculos. O tempo, que tantas vezes separa, também une. A memória das jovens que aqui viveram encontra-se com os pés dos que agora entram. O que estava interdito renasce, lembrando-nos que o passado não se perde – ele apenas espera o momento certo para voltar a ser parte do presente. Neste regresso, ecoam as preces de outrora, cruzando-se com os murmúrios dos visitantes de hoje, num diálogo silencioso entre aquilo que fomos e aquilo que ainda podemos ser!
 

(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 11, quinta-feira, 27 de março de 2025, p. 17)

Sem comentários:

Enviar um comentário