sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (XXIV)

Num recanto sagrado de Viana do Castelo, onde a pedra resiste ao tempo e a fé persiste no coração dos homens, ergue-se a Capela de São Roque como um elo entre o passado e o presente. Construída em 1623 e renascida mais de uma vez das cinzas da ruína, esta capela não é apenas uma estrutura de granito, mas um testemunho vivo do percurso humano – da dor, da esperança e da transcendência.

O ser humano, ao longo dos séculos, sempre procurou eternizar o que sente e o que crê. No granito talhado, no madeiramento do teto, no altar onde repousa São Roque em trajes de peregrino, lemos mais do que arte: lemos história, e, sobretudo, lemos fé. A ferida exposta na perna do santo, símbolo da peste que assolou tempos difíceis, é também metáfora das feridas humanas – visíveis ou não – que cada geração carrega. E o cão fiel, que lhe leva pão, é a imagem silenciosa da compaixão que sustenta o caminho dos que caem.

A vieira, símbolo do peregrino de Santiago, gravada nas vestes do santo, continua a apontar o rumo para quem busca mais do que destino: sentido. A capela, situada numa zona de passagem para Compostela, torna-se um limiar entre o sagrado e o profano, entre o corpo fatigado e o espírito em busca.

Hoje, perante os muros de alvenaria e o gradeamento que resguarda o adro, somos convidados a refletir: o que resta de nós nas pedras que tocamos? O que deixamos inscrito no mundo, como deixaram os que, antes de nós, construíram e reconstruíram este lugar?

Assim, na quietude da capela de São Roque, compreendemos que o património não é apenas memória – é diálogo entre tempos. E que a fé, mais do que um ato individual, é uma ponte invisível entre o passado que nos moldou e o presente que esculpimos. 

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 24, quinta-feira, 17 de julho de 2025, p. 17)

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