sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (XX)

Entre o Ribeiro e o Tempo. Há lugares onde o tempo escorre devagar, como se tivesse memória. O Ribeiro de S. Simão, afluente do Rio Lima, com o seu sussurro milenar, murmura histórias que não estão nos livros. As pedras molhadas, polidas por passos que já não se contam, guardam o eco de vozes antigas – os nossos avós, e os avós deles, curvados sobre a terra, com as mãos no húmus e os olhos no céu.

A água que ali corre, vinda das entranhas das serras, encontra-se com a maré atlântica como quem reencontra um irmão distante. Mistura-se o doce com o salgado, o interior com o oceânico, e nesse abraço nasce uma nova pele do mundo.

Entre o musgo e o granito, cresce uma aguarela viva: aves em voo baixo, peixes ligeiros, arbustos que resistem ao tempo como resistimos nós – teimosamente vivos. E somos isso: parte da seiva, do ciclo, da dança invisível entre sol e sombra.

A terra que pisamos é também ela um corpo que nos lembra quem somos. Não somos donos: somos descendentes, inquilinos de passagem, herdeiros de silêncios e cantigas.

Ali, entre o ribeiro e o Lima, o homem é menos vaidade e mais raiz, porque continuamos a dar testemunho daquilo que somos e de onde vimos.

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 20, quinta-feira, 19 de junho de 2025, p. 17)

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