sábado, 4 de outubro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (XXV)

Há instantes na existência em que o peso do mundo parece maior do que a nossa própria sombra. Nessas alturas, a terapia mais eficaz raramente se encontra em receitas prontas ou em fórmulas universais. Surge, antes, na forma de uma presença silenciosa, constante, quase invisível – aquela figura que, longe da ribalta e dos aplausos, se dedica a cuidar de nós com genuína entrega. São eles que nos recordam que o amor verdadeiro não se exibe: manifesta-se no silêncio atento, na escuta profunda, no toque leve que não impõe, mas ampara.

Essas almas discretas percebem-nos para além do que julgamos mostrar. Vêm-nos com olhos que não se limitam à superfície. Intuem os nossos silêncios, leem nas entrelinhas do nosso gesto, ampliam aquilo que nós mesmos não conseguimos ver. Através deles, o nosso mundo – esse espaço por vezes tão estreito e condicionado – ganha outras dimensões. A realidade torna-se fluida, aberta, rica em sentidos que só a intuição pode decifrar. A continuidade da vida é, assim, tecida com fios invisíveis de cuidado e pertença.

O Poço da Moura, junto ao ribeiro de São João, Labruja, Ponte de Lima, não é apenas um recanto bucólico; é símbolo vivo dessa terapêutica ancestral, feita de memória, de presença e de amor. A natureza sussurra verdades que esquecemos na correria dos dias. Ali, o tempo abranda, e o coração reconhece aquilo que verdadeiramente importa: anos de companhia, de partilha, de olhar na mesma direção. É esse amor sereno e perseverante que cura, não com palavras, mas com a fidelidade da presença.

Sim, haverá sempre alguém ao nosso lado – ainda que por vezes duvidemos. Basta silenciar o ruído e escutar com o espírito das águas. A verdadeira terapia não se impõe: revela-se. E, quando o faz, percebemos que nunca estivemos sós.

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 25, quinta-feira, 24 de julho de 2025, p. 17)

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