O rebombar dos bombos e o toque vibrante das concertinas na festa da
Agonia, em Viana do Castelo, não são apenas sons. São pulsações de um povo,
batimentos do coração coletivo de uma terra que celebra, sim, mas também se
purga. A festa, dedicada a Nossa Senhora da Agonia, carrega no nome a marca da
dor, mas é na sua manifestação que se revela algo maior: uma ponte invisível
entre o sofrimento e a alegria. O barulho que ecoa nas ruas e dentro das almas
não é ruído, é linguagem. É o modo como o ser humano, ancestral e presente, se
comunica com o que não consegue dizer com palavras.
É uma celebração que tem tanto de espiritual como de carnal. Há fé, há devoção, mas há também um extravasar quase instintivo, como se cada toque de bombo libertasse dores antigas, e cada acorde da concertina fizesse vibrar esperanças ainda por cumprir. A festa é um ritual de transfiguração: a dor não é negada, mas dançada; o sofrimento não é escondido, mas lavado na alegria. A multidão, ao participar, não se limita a venerar a santa – reinventa-se. A alma popular, cansada do peso quotidiano, encontra ali uma forma de se elevar sem se desprender do chão.
Na festa da Agonia, o humano encontra-se a si mesmo entre extremos. E nessa travessia emocional, percebe que a alegria mais intensa nasce frequentemente da dor mais profunda. A festa torna-se, então, espelho e catarse, onde se canta, se chora e se exalta – não para esquecer o sofrimento, mas para o transformar.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 26, quinta-feira, 07 de agosto de 2025, p. 41)
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