Há livros que não se limitam a ser testemunhos de um tempo: são instrumentos de poder, moldes de conduta e tentativas de aprisionar a liberdade do pensamento. Entre estes, destacam-se aqueles que, como as «Constituiçoens Sinodais do Arcebispado de Braga» (1697) – coabitante na nossa Biblioteca Particular –, pretendiam instituir normas absolutas de vida e de fé, oferecendo-se não como diálogo, mas como imposição. Lidos hoje, mesmo que de forma breve, revelam-nos a inquietante herança de um passado em que a palavra escrita se tornava lei para a consciência.
Essa experiência leva-nos a refletir sobre o estatuto do livro e do saber: será a leitura uma abertura à liberdade ou uma clausura disfarçada? Quando um texto se ergue como dogma, transforma-se em muralha contra o pensamento divergente. O homem, em vez de leitor crítico, torna-se súbdito de uma verdade pré-estabelecida, condicionado pelas incertezas que não lhe pertencem, mas que lhe são impostas.
O poder de julgar, que deveria nascer da razão própria e da experiência
vivida, passa a ser sequestrado por uma autoridade externa. Neste gesto,
dissolve-se a pluralidade das perspetivas e impõe-se a ilusão da verdade
absoluta. Porém, a leitura contemporânea dessas páginas já não obedece ao mesmo
princípio: ela desvela o anacronismo e revela a fragilidade daquilo que outrora
parecia indiscutível.
Assim, cada obra normativa do passado interpela-nos hoje como um duplo
espelho: mostra a violência simbólica que um texto pode exercer, mas também a
liberdade crítica que nos é dada ao relê-lo no presente. Ao confrontar-nos com
o peso histórico de tais imposições, a nossa consciência filosófica renova-se,
entendendo que nenhuma verdade sobrevive intacta ao tempo. E é nesse intervalo
entre o passado que ordena e o presente que questiona que a leitura reencontra
a sua dignidade: não como obediência, mas como exercício de emancipação.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 30, quinta-feira, 18 de setembro de 2025, p. 17)
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