terça-feira, 11 de novembro de 2025

BRUMAS DO TEMPO XXIX

Depois de uma ausência que a vida impôs – e que se revelou necessária, porque o silêncio também é matéria de pensamento – regressamos lentamente ao território das leituras interrompidas. É curioso como os livros, quando ficam em suspenso, aguardam o nosso retorno como se fossem portas entreabertas, prontas a serem atravessadas no instante em que o espírito recobra o fôlego. Voltar a eles não é apenas retomar páginas, mas reencontrar pedaços de nós que ficaram em repouso, aguardando o tempo propício.

A leitura não é mero passatempo: é exercício vital, respiração interior, alongamento da consciência. Sem ela, o mundo torna-se estreito, a imaginação definha, e o pensamento perde o seu horizonte. Ao abrir um livro, não apenas o tocamos; somos também tocados. E nesse gesto, tão simples quanto radical, reencontramos a possibilidade de avançar para outras etapas da vida – aquelas que exigem coragem, discernimento e uma nova delicadeza de olhar.

Valter Hugo Mãe, na «Educação da tristeza», fala do “anseio por mudanças de vida, tempos de maravilha novos, com mais mundo”. Esse anseio é universal: todos carregamos dentro de nós a inquietação de transformar a rotina em aventura, de alargar os limites da experiência, de sonhar realidades ainda não vividas. O que a tristeza educa, afinal, não é a resignação, mas a capacidade de desejar o impossível. É da sombra que nasce a vontade de luz; é da ausência que brota a urgência do reencontro.

Assim, cada regresso à leitura é também um regresso a nós mesmos – à versão mais atenta, mais desperta, mais aberta ao espanto. Se ler é respirar, então cada página é um sopro que nos devolve àquilo que somos em essência: seres de busca, seres de mudança, seres que não se contentam com o que já está dado, mas aspiram sempre a “mais mundo”.

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 29, quinta-feira, 11 de setembro de 2025, p. 18) 

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