Viana do Castelo, nas manhãs de sexta-feira, guarda um segredo antigo. Entre bancas de legumes e cestos de ovos, cumpre-se um ritual de comunidade. Não é apenas o ato de mercar: é uma liturgia discreta, quase sagrada. As mãos calejadas que pousam tomates ou alfaces sabem mais da terra que mil livros. E quem compra recebe, junto ao produto, um pedaço de vida partilhada.
O Mercado das gentes do campo não é só comércio; é respiração coletiva.
Ali o tempo abranda, mesmo que o mundo corra lá fora. Até o Estabelecimento
Prisional, vizinho silencioso, parece aprender serenidade. Entre grades e
liberdade, a diferença dissolve-se na presença do humano.
Os rostos encontram-se, reconhecem-se, perguntam-se pelas colheitas,
pelas dores. Cada palavra é um fio invisível de solidariedade que sustenta a
trama social. No ruído das conversas, ecoa uma sabedoria simples: ninguém vive
sozinho.
A cidade, com o seu ritmo impaciente, ali encontra humildade rural. Os
produtos frescos são mais do que mercadoria: são testemunhos da natureza. Cada
maçã carrega a paciência das estações, cada ovo a promessa do ciclo. Há uma
ética do visível e do verdadeiro: a qualidade não precisa de propaganda. Tudo é
claro como a transparência das águas do Lima. Tudo é honesto como a dureza das
mãos que semeiam.
Nesse espaço de bancas alinhadas, o mundo reencontra a sua medida. É a palavra, mais do que a moeda, que sustenta o valor. E quando regressamos, levamos mais que sacos: levamos pertença. O Mercado é memória, é futuro, é filosofia em ato. Um manifesto silencioso de humanidade que resiste ao esquecimento.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 31, quinta-feira, 25 de setembro de 2025, p. 17)
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