terça-feira, 11 de novembro de 2025

BRUMAS DO TEMPO (XXXVI)

 Santa Luzia gravada na pedra. Santa Luzia, colina de silêncios e de eternidade, ergue-se como altar do tempo onde o olhar se perde e a alma desperta. Na pedra, o cinzel gravou não apenas um poema, mas o sopro da memória, a voz de um homem que soube ver além do visível – Amadeu Torres (Castro Gil), o vate de Vila de Punhe, que transformou a paisagem em verbo e o horizonte em canto. Cada palavra inscrita é uma veia de granito, pulsando com a respiração do mundo, ecoando o murmúrio do Lima e o rumor antigo do Atlântico.

Ali, entre almargens e praias, entre veigas e perfumes, o espírito humano reencontra a sua origem. O Poeta viu o que muitos esquecem: que a beleza não se esconde, apenas se vela sob o hábito da pressa. O alto de Santa Luzia não é apenas miradouro, mas templo – lugar onde a terra se eleva ao encontro do céu.

As marcas do tempo, que tudo desgastam, aqui são bênção. Elas lembram-nos que a eternidade se constrói no efémero, e que a pedra, ainda que imóvel, guarda o movimento da vida. Viana do Castelo sobe, como escreveu o Poeta, até onde a alma chama – e é nessa ascensão que o humano se faz divino.

Santa Luzia permanece, “pérgula sobre o Lima e o mar de tantas bandas”, guardiã da nossa ancestralidade. A pedra gravada é mais do que um monumento: é o testemunho de um sentir que resiste às brumas do tempo. Porque, enquanto houver quem leia a pedra e escute o vento, o poema continuará a respirar – e nós, com ele, perpetuaremos a memória de sermos parte da mesma paisagem sagrada.

(InA Aurora do Lima, Ano 170, Número 36, quinta-feira, 30 de outubro de 2025, p. 17)

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