Em Sabariz, no coração de Vila Fria, em Viana do Castelo, as ruínas
erguem-se como testemunhas mudas de um tempo que já não se pode tocar. As
pedras, gastas pelas chuvas e pelo vento, não falam com palavras, mas impõem
uma presença que transcende o esquecimento. Ali, cada fragmento do que outrora
foi um solar aristocrático contém um eco: disputas de famílias, alianças
forjadas e desfeitas, amores consumidos pelo ciúme e pela distância.
Os monumentos, privados de memória própria, oferecem-se como espelhos
quebrados nos quais projetamos aquilo que queremos reter. A sua função é menos
a de conservar o passado tal como ele foi, e mais a de convocar em nós a
necessidade de interpretar, de resgatar. A história, nesses lugares, é sempre
uma narrativa inacabada, porque o humano precisa de reescrever, preencher os
silêncios, dar voz às pedras.
Entre os ecos que permanecem, ouve-se o rumor do amor impossível de Rui
Pereira por Isabel da Silva. Talvez não mais que um sopro, mas suficiente para
atravessar os séculos e insinuar que o humano não se apaga na pedra. O conflito
entre o desejo e a norma social, entre a paixão e a herança aristocrática,
repousa ainda no silêncio das ruínas, lembrando-nos que cada espaço físico é
também um campo de forças emocionais.
As relações humanas, tal como os muros caídos, sustentam-se em fragmentos: recordações, palavras ditas e não ditas, presenças e ausências. Em Sabariz, não se trata apenas de visitar ruínas, mas de escutar. Escutar o que nelas persiste como possibilidade de sentido. Cada pedra, ao cair, abre espaço para que o presente dialogue com o passado, fazendo-nos perceber que a memória não é o que resta, mas o que continuamente recriamos. Assim, a ruína não é fim, mas origem. Um convite à consciência de que habitamos sempre os escombros de algo maior do que nós.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 32, quinta-feira, 02 de outubro de 2025, p. 17)
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