A Arte Urbana de Bordalo II, que em 2024 tocou poeticamente o
coração de Arcos de Valdevez, convida-nos a refletir sobre a tensão
entre a estética e a ética do nosso tempo. Artur Bordalo (1987), mais
conhecido como Bordalo II, transporta para o espaço público uma
filosofia visual onde o belo nasce do descartado, onde a ruína encontra
redenção. Mesmo sem concluir o curso na Faculdade de Belas-Artes da
Universidade de Lisboa, o artista transformou as ruas em tela e os restos urbanos
em matéria escultórica, fazendo do lixo um manifesto.
A vaca Cachena, símbolo identitário do concelho, emerge da sua obra como metáfora de uma natureza que persiste, mesmo soterrada por excessos humanos. A escolha de resíduos urbanos como corpo dessa figura não é acaso: é denúncia e é proposta. No gesto de recolher objetos abandonados – detritos de obras, fragmentos de carros, restos industriais – Bordalo II reconfigura a narrativa do consumo. Mostra que aquilo que rejeitamos contém ainda potência de sentido e de beleza.
O seu trabalho, apresentado no MurArcos – Festival de Arte Urbana (2024), preforma uma estética da consciência: convoca-nos a ver, sentir e pensar. A criação frente aos próprios contentores de reciclagem adquire dimensão simbólica, quase ritual. É como se a arte se colocasse ali, no limiar entre o que se abandona e o que pode renascer, para nos lembrar que a cultura visual pode ser ferramenta de mudança.
Assim, em Arcos de Valdevez, Bordalo II não apenas embeleza o espaço; ele interroga-o. Faz-nos questionar a “sociedade extremamente consumista, materialista e avarenta” a que ele tão frequentemente alude. Propõe uma nova estética: aquela que une o ético ao belo, a memória local à urgência global. Porque, afinal, é na capacidade de transformar lixo em tesouro que reside a verdadeira arte – e, talvez, a esperança do nosso tempo.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 37, quinta-feira, 13 de novembro de 2025, p. 16)