A existência humana encontra na natureza o seu mais antigo espelho. O
rio, com o seu curso perene, recorda ao homem que a vida é fluxo e retorno, princípio
e fim que se renovam. Assim, nas margens do Lima, a tradição dos “Batizados da
Meia-Noite” em Ponte da Barca, ergue-se como um vestígio sagrado da ligação
entre o Ser e a Terra. Ali, a mulher grávida não era apenas indivíduo, mas portadora da
continuidade da comunidade e da memória.
O ventre, tocado pelas águas, tornava-se recetáculo do mistério. O
púcaro de barro, humilde e frágil, simbolizava a união entre o elemento humano
e o elemento natural. A água colhida não era apenas líquido, mas essência
vital, herança da nascente que percorre as serras. O ramo de oliveira,
aspergindo o ventre, evocava a paz e a fertilidade que atravessam séculos de
crença.
Cada gesto ritual transportava consigo o eco da ancestralidade. A
ponte, lugar de passagem, transformava--se em altar, onde o visível e o
invisível se tocavam. Na hora silenciosa da noite, o badalar do sino confundia-se com o coração da
terra. E a escolha do padrinho não era fortuita, mas selava um pacto espiritual, mais
profundo que o laço social.
A confraternização, depois do rito, celebrava não apenas a vida que
viria, mas também a comunhão entre os homens. O vinho verde, o presunto, a
boroa – eram, mais que alimento, sinais de partilha, vínculos de pertença. A
natureza, aqui, não se limitava a servir, mas participava ativamente da
criação. A serra, o rio, o vento noturno – todos eram testemunhas e cúmplices da
fecundidade.
O nascimento não era ato biológico isolado, mas acontecimento cósmico. Na
crença popular, o invisível encarnava-se nos ritos simples, sustentando a
esperança. Assim, a tradição preservava a harmonia entre homem e mundo. E mesmo
que envolta em lendas, guardava em si uma verdade mais profunda que a razão.
A verdade de que somos, antes de tudo, filhos
da terra e das águas. Que cada geração floresce enraizada nos gestos daqueles
que vieram antes. E que na ponte de pedra, sob o luar e o sino, ecoava o eterno
pacto do ser com a natureza.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 28, quinta-feira, 21 de agosto de 2025, p. 22)