sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Alvíssaras bartolomeanas para o «Notícias da Barca»!...

«A bem da verdade, pouco se sabe acerca de Bartolomeu, salvo o facto de ser mencionado em todas as listas dos doze apóstolos que surgem no Novo Testamento…»

The Book of Saints

Perguntar-nos-ão do porquê desta dicotomia entre o S. Bartolomeu e o “Notícias da Barca”, tendo em conta possíveis contraditórios ou antagonismos. Esta nossa deambulação resulta apenas de factores naturais, desprovida de factos comprometedores e/ou provatórios. Sabemo-lo por alguns analistas que Bartolomeu, apesar de se saber muito pouco da sua vida, é identificado como sendo Nataniel Bar-Tolmai, filho de Tolmai, apresentado a Jesus pelo apóstolo Filipe. Terá evangelizado na Mesopotânea, na Pérsia e possivelmente na Índia, embora os relatos do seu horrendo martírio, preso e condenado por difundir o Cristianismo – esfolado vivo antes da decapitação –, nos transportem ao espaço físico de Derbend (Albanópolis), na Arménia Superior, nas margens do mar Cáspio. Daí, o seu ícone apresentar-se umas vezes vestido, outras vezes esfolado, com a sua pele no braço.
Para as pessoas ligadas ao esoterismo, o desprendimento da pele tem um significado de renovação, um elevado sentido metafórico. Aliás, a serpente que nós vemos como símbolo das farmácias era para os egípcios, e continua a ser para os esotéricos, símbolo de sabedoria. Ao renovar a pele, rejuvenesce-se e renova-se interiormente. Para além disso, S. Bartolomeu tem como atributo a faca com que foi esfolado, e, raramente, um demónio encadeado, como é o caso do de Ponte da Barca, enclausurado em capela do séc. XVIII, que se nos apresenta vestido, com a faca (martírio) na mão direita e o livro das Sagradas Escrituras (evangelização) na mão esquerda.


Daí compreendermos toda essa apreensão, dado que muitas são as interpretações e as conveniências emocionais. Em Esposende, por exemplo, mais concretamente na freguesia de Mar, o frango funciona como um corolário de oferta ao santo. A não ser que, à razão da prática de o povo oferecer aquilo que tinha em casa, se sobreponha a extra-sensorial simbologia da decapitação e do esfolamento como renovação, pelo sangue derramado. Mas, como poderão compreender, não vamos entrar por aí. Infelizmente, nos últimos tempos, isto tem sido indecentemente explorado, principalmente por pessoas que não estudam convenientemente de uma forma séria este fenómeno, a ponto de classificarem isto como uma frustração e um desmoralizante paganismo. Convém salientar, e para terminar, que o culto a S. Bartolomeu perde-se no tempo, encontrando-se vários elementos nesta festividade que nos reportam ao pré-cristianismo, através da água como símbolo da purificação, e ao cristianismo, através do baptismo, em muito associado à purificação. E como é inevitável, aparece sempre um pouco de superstição. Mais que não seja, o culto a S. Bartolomeu deve continuar a existir até para conservar o culto da água, um dos elementos essenciais à nossa vida. Daí, a nossa anterior sugestão de estabelecer pontes com a água (baptizados da meia-noite) e o vinho (água transformada em vinho) das Bodas de Canaã, cuja tradição liga-as a S. Simão, como sendo o jovem noivo, com capela na outra margem, situada no topo de suave ondulação de terreno inculto, pertencente a uma quinta de produção vinícola.
Sigam pois as rusgas e a pele renovada do jornal que há quarenta e um anos, se tem mantido fiel às tradições, à opinião desempoeirada e à defesa dos interesses e anseios das populações da região. Rejuvenescimento e renovação constantes, precisam-se. Tal como diria Schiller «o homem que se domina a si mesmo, liberta-se de um poder que o acorrenta, e que escraviza quase todas as pessoas». Por isso, deixem andar o demónio à solta. O demónio que está muitas vezes dentro de nós.
      Um bem-haja a ambos: S. Bartolomeu (em representação do povo) e «Notícias da Barca», seu arauto!

(In, Notícias da Barca, Ano XLI, N.º 1252, 19/24 de Agosto de 2016, p. 18 - Crónicas do Átrio e do Lethes-27)

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

«Agramonte: ou o mundo astral dos profetas» (2012) e os incêndios nos tempos de hoje!


Lá ao longe a floresta ardia. Sentia-se o cheiro a eucalipto queimado. O monte de S. Lourenço parecia um inferno. Não é que estivessem motivados para divagarem – com a construção e a força das palavras – por entre os escombros e as desgraças alheias, que sentissem alguma apreensão acerca da catástrofe reinante no país. Mas, também não podiam ficar indiferentes ao manifesto espírito de revolta (com razão) de quem sente na pele a apatia dos governantes, soletradores de promessas em tempo de “campanhas” e muito pouco fora delas. O país estava a arder, quando haviam sido prometidos planos económicos e revigoradas “Protecções Civis”, mão pesada para os criminosos e uma maior segurança das riquezas naturais, quase os únicos garantes de subsistência da maioria dos portugueses. E ainda havia quem achasse estranho que, no meio de tanta desgraça (com perda de pessoas e bens), houvesse alguém que apelasse a vinda de Salazar!


Era ali que a democracia estava em perigo. A desorientação era total. O planeamento do território, o aproveitamento dos recursos naturais, os incentivos à economia rural – que bem poderia passar pela limpeza e conservação das matas – davam lugar à preocupação economicista do pagamento do déficit e das balanças económicas impostas por quem cresce à custa das desgraças alheias. Salazar matava-nos à fome, mas mantinha as matas limpas!... – dizia um dos muitos revoltados, face à inércia dos democratas de hoje, que nos vão enganando com a barriga cheia, em deficiente alimentação e de costas viradas às reais potencialidades económicas do país. Isaías e Anne tinham consciência de que a democracia estava em perigo se mantivessem este tipo de política de subserviência aos interesses económicos de outros, aqueles que se estão “borrifando” para a produção leiteira, florestal ou mesmo industrial dos portugueses.
Para eles, os incêndios eram o corolário da inércia dos nossos políticos.
Não nos venham dizer que – como afirmou aquela senhora dirigente de um parque natural – o mal reside no povo que não cuida das suas matas, marcada espectaculosidade dos seguidores de “Pilatos”... Bem que podem lavar as mãos na água barrenta das cinzas – murmurou Isaías, contemplando o horizonte devastado pelas chamas. 
Isaías! Mas, afinal, quem é que pagou aos portugueses para cortar as suas vinhas, abater as cabeças de gado para produzir menos leite e deixar crescer mato em campos de cultivo? Era de tradição “astrar” as cortes com o mato roçado. A biodinâmica perdeu-se com o estrangulamento perpetrado pelas economias ditatoriais, onde o plástico é alimento.


O país estava a arder e a democracia em perigo. Teria que haver coragem para reconhecer as fragilidades e as incompetências. Serenamente!
Ainda ambos debatiam, entre grupos de amigos, a tragédia que avassalava – e tem avassalado – o país, quando leram em bom tom num matutino nacional que o arq.º Ribeiro Teles alertava para o facto de que seria um erro calamitoso se a reflorestação das áreas ardidas fosse feita como antes. Essa figura pública, tal como lhe era peculiar, punha o dedo na ferida, a ponto de reforçar as suas modestas opiniões.
Se alguém poderia ficar escandalizado com as afirmações proferidas na Tasca do Zé do Inácio, de que os incêndios são corolário da inércia dos políticos, depressa se molestariam com o modelo defendido pelo arq.º Ribeiro Teles, onde a floresta ideal deveria ser uma mata completamente integrada no sistema agrícola. A sua “teoria” faria aumentar ainda mais a indignação e a “revolta” daqueles que pensavam de igual forma: Todas estas regiões que são hoje pinhal e eucaliptal, que têm aldeias e pessoas a viver dentro, não devem continuar a ser exclusivamente uma floresta. Era o sinal dado por uma das mais avalizadas – senão a mais avalizada – vozes do “Ambiente” em Portugal. As palavras acabaram por atenuar o pressuposto sentimento de revolta pela interrogada afirmação de quem havia pago aos portugueses para cortar as suas vinhas; abater as cabeças de gado para produzir menos leite; e deixar crescer mato em campos de cultivo...


Isaías e Anne tinham a plena convicção de que o ordenamento do território é da responsabilidade dos políticos, articulando com gente que sabe e tem, verdadeiramente, sensibilidade para estas melindrosas questões. Poder-se-ia discordar da expressão viva dos sentimentos de revolta, mas não era possível ficar indiferente quando vozes discordantes lhes provocavam alguma culpabilidade da causa-efeito dos erros cometidos. O arq.º Ribeiro Teles achava – e também eles achavam – que a floresta tem que ser simultaneamente agrícola: A mata deve ocupar as encostas mais declivosas; os vales devem ser aproveitados para a agricultura local; e os solos planálticos devem ser reservados para uma agricultura tipo vinha ou olival. Os matos devem, por sua vez, ser aproveitados também para a pecuária, bem como para a produção do mel, aguardente de medronho e, ainda, para as plantas aromáticas, que podem dar lugar a uma indústria de perfumes – diria Mestre Ribeiro Teles. Anne e Isaías só não entendiam o porquê de tanta indignação quando, convictamente, acreditavam que a biodinâmica perdera-se com o estrangulamento perpetrado pelas economias ditatoriais, onde o plástico é alimento. Por isso, persistiam na afirmação resultante da reflexão de que, enquanto se mantiver este tipo de política, a democracia estará sempre em perigo.

(In, SILVA, Porfírio Pereira da - Agramonte: ou o mundo astral dos profetas. Porto: Papiro Editora, 2012, p. 61-63)

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

«Luzes de muito brilho: Figuras e Temas Limianos» em Cláudio Lima!...

«Ginzo do Lima, a raiana,
Da Galiza amena aldeia,
Onde o rio principia
A sua vida serrana,
O nome deu ao mortal
Que, longe da penedia,
Vem morrer, beijando a areia
Às praias de Portugal…»

António Ferreira

À parte de alguns devaneios menos comedidos no “acto solene” da apresentação do mais recente livro de Cláudio Lima, «Luzes de muito brilho: Figuras e temas limianos», para os quais em nada podemos assacar a este magnífico escritor e poeta, temperamos a nossa circunstancial indisposição (Ó maldita hérnia-discal!) com a certeza de que se “nuestros hermanos” fechassem o caudal do Lima – tamponando-o a conta-gotas –, a partir da Barca e até à foz estaríamos a beber da água do Vez e, na ponta final, quiçá, da Ribeira de S. Simão da Junqueira de Mazarefes, que foi Couto com posse acrescida em Terras de Paradela, banhadas pelo mesmo rio que nos viu nascer, apesar de a partir das três translações passarmos a beber água do “Bengo”.
Devaneios nossos também à parte, jamais nos deixaremos condicionar por imperativos de acantonamento, principalmente quando os escritores, ao atingirem determinado patamar, se extravasam para lá da condição de “meninos do rio”. Esse é o caso de Cláudio Lima, o menino Manuel da Silva Alves, de Calvelo, que cedo se aventurou por outras paragens até atingir a maturidade intelectual e prosperidade na adversidade, resignando-a. E se Montapert o disse que «o homem é corpo, intelecto, espírito, e tudo isso deve evoluir paralelamente para uma vida bem-sucedida e equilibrada», Cláudio Lima, porque não vive da ociosidade, já há muito que se libertou da ferrugem que consume mais que o trabalho. Isto, se tivermos em linha de conta que a ociosidade é como a ferrugem. Tal como um dia escreveu José Hermano Saraiva, «uma chave de que todos os dias nos servimos, anda sempre limpa e polida», Cláudio Lima é essa chave que, a par de outras, não necessita de rotulações maiores para ser um dos maiores entre os maiores. Sancta simplicitas!


Falando agora do «LUZES DE MUITO BRILHO: Figuras e Temas Limianos», estaremos em dizer que temos entre mãos mais uma magnífica – estético-literariamente falando – obra de Cláudio Lima. Ainda que o seu conteúdo seja o resultado da recolha de uma série de pequenos textos de ensaio ou intervenção, proferidos e/ou publicados “em vários momentos e afectos a várias celebrações, tendo por nexo estrutural o simples facto de abordarem temáticas limianas. Como configuram uma sequência dos trabalhos coligidos em Um rio de muitas luzes (2005) confiro-lhes agora um título de feição sequencial: Luzes de muito brilho.” – citamos de “breve nota” do autor.
A metáfora da LUZ, com capa (extensiva à contracapa) extraordinariamente bem conseguida, do grande artista da imagem Amândio Sousa Vieira, confere-lhe o lado místico ou metafísico, à boa maneira platonista: «o Bem está para a inteligência e para o inteligível, no mundo da realidade inteligível, como o sol para a vista e para o visível, no mundo da realidade visível» (República, 508c). As alegorias da linha e da caverna convergem no aprofundamento da metáfora da LUZ, sendo que em Cláudio Lima funciona como fonte ou factor de conhecimento, de memória e de expressão (ou manifestação escrita) da verdade. Preferimos a “Luz de muito brilho” à metáfora dos “faróis” em Baudelaire.
Apesar de Vasco Rodrigues de Calvelo, Domingos Tarrozo, António Feijó, Campos Monteiro, Queiroz Ribeiro, João Marcos, António Manuel Couto Viana, Luís de Sousa Dantas, entre outros, serem os faróis que brilham acima do tempo e que continuarão eternamente sendo objecto de admiração, de estudo e de inspiração para todos os artistas, Cláudio Lima imprime-lhes uma Luz própria, peculiar até, num ritmo aliciante e uma linguagem profundamente melodiosa. Sim, concordamos com expressão de “autor imparável”, e ainda que nos tornemos repetitivos no decalque, fazemos nossas as palavras escritas de Maria de Lourdes Brandão: «Cláudio Lima escreve com o coração. O acaso fez com que nascesse em Ponte de Lima. É português, nortenho, limiano até à medula, um homem fortemente ligado às suas raízes…». Plenamente de acordo. A sedução, a nostalgia, o amor profundo à terra que o viu nascer e aos vultos que lhe dão corpo, palpitam e eternizam-se através da saudável (porque bem construída, escorreita) escrita de Cláudio Lima. «Faça-se a luz!» E a luz foi feita (2 Cor. 4, 6). Venham outras tantas “luzes de muito brilho”.
         NOTA MÁXIMA!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1251, 30 de Julho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-26)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

«Histoire de La Magie du Monde Surnaturel» e as ilustrações de Émile-Antoine Bayard (1837-1891)



















Émile-Antoine Bayard, nasceu em Ferté-sous-Jouarre, França, a 2 de Novembro de 1837 e morreu no Cairo, em Dezembro de 1891. Foi um pintor, decorador, designer e ilustrador francês. Estes são principalmente desenhos de controlos editoriais que detêm hoje a atenção dos fãs. Sem ser tão corajoso quanto Paul Gavarni, soube harmonizar gestos para expressões faciais, fazendo-a personagens particularmente expressivos.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ritos de passagem e liminaridade!

«Se queremos perceber os caracteres específicos do pensamento mítico, devemos pois demonstrar que o mito está, simultaneamente, na linguagem e além dela…»

Claude Lévi-Strauss

Segundo Victor W. Turner, a Liminaridade é a passagem entre o “status” e estado cultural que foram cognoscitivamente definidos e logicamente articulados. Apesar de expressar uma certa convicção de ambiguidade e de indeterminação no que concerne aos seus atributos, o mesmo autor afirma que os mesmos exprimem-se por uma rica variedade de símbolos, nomeadamente naquelas várias sociedades que, precisamente, ritualizam as transições sociais e culturais: Assim, a liminaridade frequentemente é comparada à morte, ao estar no útero, à invisibilidade, à escuridão, à bissexualidade, às regiões selvagens e a um eclipse do sol e da lua.
É o próprio Victor W. Turner que nos remete para Van Gennep, quando este definiu os «Ritos de Passagem» como os ritos que acompanham toda a mudança de lugar, estado, posição social e idade . Por exemplo, nessa passagem de um território para outro, Van Gennep considera que qualquer que passe de um para outro acha-se assim, material e mágico-religiosamente, durante um tempo mais ou menos longo em uma situação especial, uma vez que flutua entre dois mundos. Encontramos assim entidades liminares, entre outros, em neófitos nos ritos de iniciação ou de puberdade, de casamento, de fertilidade, de parto, de investidura, de cura e de morte.


Em Arnold Van Gennep, o esquema completo dos ritos de passagem admite em teoria ritos preliminares (separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação). No fundo, uma trilogia que passa pelos estados de separação do mundo de que alguém se vai separar, pelo momento de transição ou de liminaridade e, por fim, pelo momento de agregação. Roberto da Matta, na introdução a obra «Ritos de Passagem» revela-nos que a grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, têm fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das sequências formais será na direcção de marcar ou simbolizar separações. Mas se o sujeito acaba por mudar de grupo (ou de clã, família ou aldeia) pelo casamento, então as sequências tenderiam a dramatizar a agregação dele no novo grupo. E conclui dizendo que se as pessoas ou grupos passam por períodos marginais – nos quais se incluem a gravidez, o noivado, a iniciação, etc. – a sequência ritual investe nas margens ou na liminaridade do “objecto em estado de ritualização”. De facto, em muitas sociedades tradicionais, a mudança de estatuto – de que tomamos como exemplos, a transição da fase de jovem para adulto e, deste, para o casamento – pode revestir-se de um conjunto de rituais de iniciação, cuja complexidade varia de sociedade para sociedade. Apesar das diferenças culturais, o processo de passagem tem sempre como objectivo um conjunto de aprendizagens e provas, tendente à ruptura com o estado anterior. Outro dos exemplos que subsiste até aos nossos tempos é o casamento: É por isso que o casamento se reveste sempre de uma forma institucional, primeiramente religiosa, depois laica, e implica uma “sacralidade”. Segundo Jean Maisonneuve, nas ditas sociedades “arcaicas e tradicionais”, os ritos de separação visavam manter um certo equilíbrio ao compensarem a perda da pessoa que abandonava o seu clã ou a sua família. Aqui funcionavam as práticas de «“resgate”, de presentes, prestações ou recepções a favor do grupo que perde um dos seus membros».
Por outro lado, Arnold Van Gennep chama-nos à atenção para o facto de que ao atravessarmos uma «soleira», significa ingressarmos num mundo novo. Ainda segundo ele, tal é o motivo que confere a esse acto grande importância, nomeadamente e a título de exemplo, nos cerimoniais de casamento, de adopção, de ordenação e dos funerais. Para este autor, os ritos realizados na própria «soleira» são ritos de margem: como rito de separação do meio anterior há ritos de «purificação» (a pessoa se lava, se limpa, etc.), em seguida ritos de agregação (apresentação do sal, refeição em comum, etc.). Concluindo o seu raciocínio, os chamados ritos da soleira, não são por conseguinte ritos «de aliança» propriamente ditos, mas ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação para a margem.
Para Claude Lévi-Strauss, por exemplo, a sociedade é feita de indivíduos e de grupos que se comunicam entre si. Entretanto, e ainda segundo ele, a presença ou a ausência de comunicação não poderia ser definida de maneira absoluta, dado que mais do que fronteiras rígidas, trata-se de limiares, marcados por um enfraquecimento ou deformação da comunicação, e onde, sem desaparecer, esta passa a um nível mínimo.
Congratulamo-nos com o propósito do Município Barquense em querer sair dos ritos de soleira e expandir os ritos de preparação para a aliança, nomeadamente quando sabemos da investigação em curso para despoletar o património imaterial da Festa de S. Bartolomeu, partindo dos “ritos de preparação para a aliança, os quais são procedidos por ritos de preparação para a margem”.
        De facto, vale a pena lutar pelas referências multidimensionais, de que são exemplo, entre outras, os “baptizados da meia-noite”. Estabelecer pontes pode muito bem ajudar a descodificar a “certeza” de que a mesma lógica se produz no pensamento mítico e no pensamento científico. E nunca esquecer: Scribitur ad narradum, non ad probadum!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1250, 20 de Julho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-25)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A sociedade humana e o conceito de justiça distributiva!

«A questão política essencial é a da justiça das quotas de reserva de cargos para os quais é necessário ser membro de determinado grupo, embora, presumivelmente, tal não constitua qualificação suficiente…»

Michael Walzer

Da leitura que fizemos – e continuamos a fazer – de Michael Walzer, nomeadamente da sua obra mais emblemática «As Esferas da Justiça», concluiríamos que numa sociedade em que os significados sociais se encontram definidos e hierarquizados, a justiça deveria vir em auxílio da desigualdade, e a sociedade humana reunir-se para compartilhar, dividir e trocar. E quando falamos do conceito de justiça distributiva referimo-nos ao ser, fazer e ter, quer ao nível da produção quer ao nível do consumo, abarcando a identidade e a posição social, a terra, o capital ou os bens pessoais de cada um de nós. Por isso, é que identificamos diferentes ideologias e diferentes combinações políticas perante esta realidade. Dado que nunca existiu um meio universal de trocas, também não há um único acesso ao universo de combinações e ideologias distributivas.
Apesar de o dinheiro ser ao longo da aventura humana o meio mais comum de troca, identificamos vasta impotência das autoridades públicas em assegurar uma regulação total na sociedade. Além de redes familiares e mercados negros são sobejamente conhecidas as alianças burocráticas e organizações políticas e religiosas clandestinas. Segundo Michael Walzer, o particularismo da história, da cultura e da qualidade de membro constitui, cada dia mais, este pluralismo complexo que condiciona a construção humana da justiça. Sendo certo que os bens objecto da justiça distributiva são bens sociais, estamos perante um cenário onde as mulheres e os homens possuem identidades concretas devido ao modo como concebem e criam e depois possuem e utilizam os mesmos bens sociais. Cada um deles determina os seus bens primários ou básicos e os universos morais ou materiais em que caminham ou sonham.


A história testemunha-nos que o significado dos bens determina ou orienta a deslocação humana. Daí, que as distribuições, justas ou injustas, e os respectivos significados sociais se alteram com os tempos. Na teoria, o poder político será, em democracia, o bem predominante, passível de ser convertível em qualquer modo que os cidadãos queiram. À partida todos nos devemos concentrar na atenuação do predomínio e não, ou não essencialmente, na destruição ou limitação do monopólio. Tal como a livre troca também o merecimento nos dá impressão de ser tanto ilimitado como pluralista. Todavia, sabemos que o merecimento é uma pretensão sólida, mas que reivindica um juízo difícil e só em condições muito excepcionais potenciará distribuições específicas.
A história também nos demonstrou que cada época se caracterizou por um quadro ou quadros de um mundo social especial, onde os significados sociais se sobrepõem e aderem uns aos outros. Temos a noção de quanto mais perfeita é essa adesão, menos possibilidade teremos de pensar sequer na igualdade complexa, dado que todos os bens se apresentam, em república, como “coroas e tronos numa monarquia hereditária”. E aqui falámos do contraditório e da negação de uma república hierarquizada.
A igualdade complexa exige a defesa dos limites; funciona por meio da diferenciação dos bens, assim como a hierarquia funciona por meio da diferenciação das pessoas. A política presente é produto, ainda que o tentem negar, da política passada, criando um cenário inevitável para a apreciação da justiça distributiva, quando a única alternativa plausível à comunidade política é a própria Humanidade, a sociedade das nações, o mundo inteiro. A providência comunitária é importante porque nos mostra o valor da qualidade de membro. Sob a égide da cultura, religião e política é que todas as outras coisas que carecemos se transformam em necessidades socialmente reconhecidas e assumem uma forma histórica e definida. O mais vulgar na história das lutas populares é a exigência, não da libertação, mas sim do cumprimento: que o Estado satisfaça os objectivos que afirma satisfazer e relativamente a todos os seus membros. A comunidade política cresce por invasão sempre que grupos até aí excluídos, um após outro, exigem o seu quinhão de segurança e previdência.
A justiça distributiva na esfera da segurança e da previdência tem um duplo significado: em primeiro lugar, reporta-se ao reconhecimento da necessidade e, em segundo, ao reconhecimento de qualidade de membro. O direito que os membros podem legitimamente reivindicar é de carácter mais geral. Assim, nenhuma comunidade pode permitir que os seus membros morram de fome, havendo víveres disponíveis para os alimentar. A previdência tem geralmente como objectivo abolir o predomínio do dinheiro na esfera da necessidade, assim a participação activa dos cidadãos em matéria de previdência, e também de segurança, tem como objectivo assegurar que o predomínio do dinheiro não venha a ser substituído pelo predomínio do poder político.
Segundo o Eclesiastes o dinheiro paga todas as coisas. Karl Marx apelidou-o de alcoviteiro universal, dada a propensão que revela para ajustar uniões escandalosas entre as pessoas e os bens e por dizimar todas as barreiras naturais e morais. O seu endeusamento é a alavanca suprema da sociedade capitalista.
Pena é que os políticos – detractores e coveiros da nobre arte de fazer política – leiam muito pouco, mas se achem no direito de se sentirem iluminados pelo predomínio do dinheiro na esfera da necessidade. E falam de economia, excluindo a participação activa dos cidadãos em matéria de previdência e segurança. O dinheiro (em papel), esse, está em “offshores” e quase todos os dias lá vai saindo da cartola mais um “presumível inocente” até ao seu julgamento e condenação pelas esferas da justiça. É apenas um arguido! – dizem-nos com alguma safadeza.     
        Para terminarmos, uma questão se coloca: – Que esferas da justiça, para a Europa e o Portugal de hoje?

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1249, 9/10 de Julho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-24)

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Spieghel der Zeevaert (O Espelho da Navegação)


Frontispício da obra Spieghel der Zeevaert (O Espelho da Navegação), um compêndio de arte de navegação escrito pelo piloto holandês Lucas Janszoon Waghenaer e publicado em 1579 (Biblioteca Pública de Londres).

sexta-feira, 1 de julho de 2016

«Do cavalo e da jovem rapariga» à hermenêutica de uma Europa em desconstrução!

«De entre os Códridas já não se elegiam reis, por se considerar que se tinham tornado efeminados e brandos. Hipómenes, um dos Códridas, quis afastar esta acusação. Tendo surpreendido um amante com a sua filha Leimônê, matou-o amarrando-o ao carro com sua filha, e a esta encerrou-a com um cavalo até que morreu…»

Aristóteles

Um dia propuseram-nos um exercício, onde nos confrontamos com dois pequenos excertos dos textos de Ésquines (Contra Timarco) e de Aristóteles (Fragmento da Constituição dos Atenienses), e por acharmos que, tal como afirmaria Richard E. Palmer, em hermenêutica o processo de interpretação “vai de um conteúdo e de um significado manifestos para um significado latente ou escondido ”, aventamos a hipótese de o objecto de interpretação, neste caso concreto os dois pequenos textos, poder ser constituído por símbolos mitológicos, sociais ou literários.
Inicialmente, espelhando uma certa desarticulação de raciocínio, só porque fomos iludidos pelo cenário, desprezamos o conteúdo ou o tema nevrálgico de tais “construções literárias”. Na altura, tomaríamos a interpretação certa, envoltos na máxima grega «Antes a Morte que a Desonra», sendo que o castigo corporal era encarado, na antiga Grécia, como modelar. Os condimentos que nos poderiam conduzir a tal interpretação estavam lá, mesmo quando o fizemos – ou procuramos fazer – à luz da história, sem esquecermos o tempo e o espaço. Mas, sem querer, apenas estávamos a dissimular uma construção interpretativa de “pescadinha de rabo na boca”. Apesar de termos tomado em linha de conta o sentido figurado ou metafórico, levados pelos conceitos do exemplo moral, numa Grécia da sabedoria, da beleza e da justiça, dado que as mulheres estavam sujeitas a restrições – eram bastante dominadas pelos maridos, pais ou irmãos e raramente participavam na política ou em qualquer outra forma da vida social –, só posteriormente nos apercebemos do nosso erro de raciocínio.
Enquanto nos enredávamos na teia “Do cavalo e da jovem rapariga”, sentíamos – ou ficaríamos com a sensação de – que, como uma centelha, a verdadeira “jurisprudência” do zeloso e guardião pai, da virgindade da jovem rapariga, ocultava algo bem mais grave do que a simples disciplina exemplar do castigo corporal, pela agravada desonra perpetrada por sua casta filha. Os termos, quer num quer noutro texto – “...ao descobrir a sua própria filha seduzida e que não tinha guardado a sua virgindade com decoro...” (Contra Timarco) ou “Tendo surpreendido um amante com a sua filha...” (Constituição dos Atenienses) – levar-nos-iam a pensar, ainda que erradamente, na exemplaridade moral, tendo em conta que na Grécia Antiga a violência fazia parte da sua cultura e, quiçá, do seu subconsciente. A acidentalidade do espaço geográfico; a luta pela hegemonia; as querelas locais – de que é exemplo o duelo entre Ésquines e Demóstenes –; a expressão e sobrevivência dos próprios deuses, ainda que simbolizados pelas forças da Natureza, ostentavam também os sentimentos bons ou maus dos seres humanos – para os Gregos, todos os homens se transformavam em deuses logo após a morte –, revestindo-se em histórias mitológicas, ora poéticas e graciosas, ora absurdas e pueris, ora imorais e grosseiras; e a própria “Tragédia Grega”, levar-nos-ia a equacionar a própria violência como factor preponderante para a interpretação dos textos.


É com base no sentido de interpretarmos as palavras, leis, códices ou textos sagrados, que utilizamos a hermenêutica, porque se nos configura como um método afastado da arbitrariedade interpretativa romântica e da redução naturalista. Abominamos o autoflagelo e o assoberbado pacifismo do sofrimento como expiação. Toda (ou quase toda) a gente sabe que escrevemos uma deambulação trágico-literária, «Baliza Trágica de Um Naufrágio», que ao passar pela “mãos” de uma prestigiada editora, chegaríamos a entender a resposta à nossa proposta da sua publicação, e que registamos com apreço: Conquanto comece com uma proposta de romance, opta depois o autor por um colóquio com vários amigos, onde são debatidas múltiplas questões de teor filosófico, político e social, com recorrência a uma erudição tão rica quanto vasta, que atravessam vários períodos da história contemporânea e actual, incluindo a do nosso país. / Pese embora o interesse de todas elas, põem-se-me muitas dúvidas quanto à receptividade que o livro poderá ter junto de um público que na sua grande maioria está mais virado para uma literatura de evasão que não exija muito da sua massa cinzenta. / É ver o êxito que têm os livros que vão de encontro a essa preferência, como é o caso do José Rodrigues dos Santos... – Assim não, obrigado. Antes escritor da aldeia, sem rosto, que mercenário… bebendo nas águas do Lethes, observando, lendo e escrevendo: «Gaspar Malheiro, conhecendo bem João Rosas como bem conhece e admira, partilha da sua bem fundamentada ideia de que a tarefa ciclópica para mudar o paradigma dessa “desconstrução”, será preciso incomodar milhares de tecnocratas e sobretudo políticos cuja razão de ser – e rendimentos – advêm da União Europeia tal como existe hoje. – Mas o processo de desconstrução europeia é inevitável e o país melhor preparado para liderá-lo é a Grã-Bretanha, uma vez que sempre manifestou um saudável cepticismo em relação ao construtivismo continental… – afiança João Cardoso Rosas» (In, p. 332 do Baliza Trágica de Um Naufrágio). E não somos videntes…
Esquecendo-nos por completo do cavalo e da jovem rapariga, assistimos serenamente à saída da Grã-Bretanha da União Europeia, mantendo a televisão em “off”, face às incursões dos malogrados “objectores de consciência” (com prognósticos no fim do jogo) e aos ignorantes, e/ou ajumentados, economistas e políticos de pacotilha. Tal como questionaria Eça de Queiroz, em 1891: Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem: – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura –, sentimos algum cansaço e cepticismo na mudança das fraldas.
Afinal, resolvemos voltar à hermenêutica “do cavalo e da jovem rapariga”, porque acabamos por descobrir que a nossa própria filha Europa foi seduzida e não soube guardar a sua virgindade com decoro… Scribitur ad narrandum!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1248, 30 de Junho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-23)

quarta-feira, 22 de junho de 2016

David Hume e a ordem estabelecida pelos “objectores de consciência”!

«Quanto às impressões que têm origem nos sentidos, na minha opinião e a sua causa última é perfeitamente inexplicável pela razão humana e há-de sempre impossível decidir com certeza se elas têm origem imediata no objecto, se são produzidas pelo poder criador da mente ou se provêm do Autor do nosso ser…»

David Hume

David Hume [N. Edimburgo, 1711 – m. Edimburgo, 1776], filósofo, economista, escritor e historiador inglês, tal como sustentaria Paul Strathern, é o primeiro a admitir o seu pendor ateísta, frequente acusação de que eram alvo alguns dos filósofos que o antecederam, numa altura em que tal adjectivação não se traduziria, por certo, em elogio para ninguém. Antes pelo contrário, os filósofos enfrentariam graves dificuldades de forma a convencerem as pessoas da antítese à “ordem estabelecida”. Sendo que David Hume admitiria o confronto com a teologia, tal acto – diríamos, atitude ou acção –, levá-lo-ia a ser protagonista de um escândalo público, cuja dissuasão pretendida pelos seus opositores se baseava numa argumentação filosófica, e não em eventuais torturas.
Se no início da era Cristã, a filosofia foi absorvida pela teologia, centrada na aceitação de textos elaborados, por forma a construir-se novas argumentações dogmáticas, a partir Descartes (Séc. XVI), considerado como fundador da filosofia moderna, despreza-se os velhos pressupostos e a fundamentação assenta na filosofia da razão, ou seja, no método para conduzir a razão na busca da verdade, tentando unificar as ciências. Através deste “processo” procurava-se demonstrar que era possível negar tudo. Meio século mais tarde, John Locke revolucionou a noção de conhecimento ao introduzir o empirismo, cujo argumento defendia o princípio fundamental da filosofia, não na razão, mas na experiência. E David Hume procurou ir mais longe, ao querer demonstrar que já não era possível a construção de sistemas filosóficos, opondo-se, claramente, ao “penso, logo existo” de Descartes, com “a explicação da identidade pessoal: o «eu» como feixe de representações”. Daí, ser considerado o último representante dos empiristas britânicos clássicos: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704).


O projecto de David Hume é, por assim dizer, o de construir uma ciência do homem, por forma a se “descobrir os princípios que regem as operações do pensamento”. Nesse sentido, esta é a “causa-efeito” negativa, vulgarizada nos tempos que correm, principalmente quando os ajumentados “objectores de consciência”, com pardieiro montado nos palanques da política e dos audiovisuais, se convencem do contraditório em relação àquilo que David Hume denominaria de “impressões”, as percepções que penetram com maior intensidade e violência e, sob esta designação englobou todas as nossas sensações, paixões e emoções, quando surgem pela primeira vez na “alma”; enquanto por ideias, referir-se-ia às suas distintas imagens no pensamento e raciocínio. Ou seja, enquanto as ideias podem ser distinguidas umas das outras pela sua “vivacidade” (apoio empírico), as impressões gozam de primazia genética sobre as ideias, dado que possuem uma qualidade (“vivacidade”) superior às ideias. Se é que interpretamos bem, o mesmo acontece com as ciências matemáticas, cuja grande vantagem sobre as ciências morais, reside no facto das primeiras nos oferecer sempre clarividência e determinação, sendo facilmente perceptível a mais pequena distinção entre elas, face à ausência de ambiguidade ou variação na forma de exprimir as mesmas ideias. Normalmente, os mesmos termos exprimem as mesmas ideias, invariavelmente.
Por isso, sempre que ouvimos os “papagaios” – dissimuladores de sapiência multidisciplinar – na TV (a tal caixinha-mágica), recorremos ao “zapping”, na expectativa de melhores alternativas, ou ao “off”, quando constatamos da lixeira e da desinformação que por lá pairam. É uma questão de defesa contra o “feixe de representações” de tais actores, creditados na existência das substâncias, quando para David Hume não existiam, tendo em conta que os corpos materiais são meros complexos de sensações; e, o “Eu” mais não representa que um feixe de sensações. Por outras palavras, se em nenhum momento temos uma percepção de nós mesmos, muito menos terão os “papagaios”… Veritas odium parit!
       Momentaneamente, como forma de remissão dos nossos “pecados” ou fragilidades cognitivas, valha-nos o futebol, para nos alegrar ou entristecer.

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1247, 20 de Junho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-22)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Publicadas «Actas da Jornada» Abel Viana (1896-1964)!

«Abel Viana foi uma personalidade notável e uma referência essencial em período decisivo para o desenvolvimento dos estudos arqueológicos em Portugal…»

Marcelo Rebelo de Sousa

Foi no pretérito dia 18 de Maio do corrente ano, qual soalheira quarta-feira nos levaria, em representação do Município de Viana do Castelo, até ao Museu Nacional de Arqueologia, instalado no Mosteiro dos Jerónimos, para assistirmos à inauguração da Exposição «Lusitania Romana: Origem de dois Povos» e ao lançamento do livro «Actas da Jornada: Abel Viana (1896-1964) Paixão pela Arqueologia», cujo evento contou com a presença do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, actual Presidente da República.
Abstraindo-nos do acto pessoal de representatividade e da qualidade do dignitário da nação portuguesa, de somenos importância para o nosso “correr da pena” e sentido ético de imparcialidade, apenas nos debruçaremos sobre os conteúdos do referido livro de actas, que conta com anuência escrita do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em jeito de Apresentação: As presentes Actas da Jornada Abel Viana são editadas autonomamente apenas porque não foi materialmente possível publicar um número específico do prestigiado “O Arqueólogo Português”, como inicialmente sonhado. Mas, o sentido de justíssima homenagem ao Mestre não se perdeu com as vicissitudes da edição. Muito pelo contrário, a ideia-chave da Jornada, tal como a da divulgação dos magníficos textos ora coligidos permaneceu viva e mereceu o apoio entusiástico da Fundação da Casa de Bragança, que organizou, no Castelo de Vila Viçosa, exposição evocativa e secundou a iniciativa lançada pelo dinâmico Director do Museu Nacional de Arqueologia, Senhor Dr. António Carvalho… – citamos “ipsis verbis”.


A publicação das referidas actas é o resultado do reconhecimento e evocação, por parte da Fundação da Casa de Bragança, da figura e da acção do insigne arqueólogo vianense Abel Viana (1896-1964), quando, em 2014, se assinalou o cinquentenário do seu passamento. Essa efeméride, que contou com o apoio do Museu Regional de Beja, foi assinalada com a organização e promoção de uma Exposição que esteve patente ao público no Castelo de Vila Viçosa, de Março a Dezembro desse mesmo ano, denominada “Abel Viana – Paixão pela Arqueologia”, a qual foi acompanhada por um catálogo, vindo a culminar, em Setembro, por ocasião das Jornadas Europeias do Património, com um ciclo de conferências.
Porque seria fastidioso aqui esmiuçar os conteúdos das intervenções nesse ciclo de conferências, que envolveu o Museu Nacional de Arqueologia, apenas referiremos o autor e o título das comunicações: José d’Encarnação, do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, da Universidade de Coimbra, da Academia Portuguesa da História e da Academia das Ciências de Lisboa – Jeannette U. Smit Nolen: In memoriam (p. 12-19); João Luís Cardoso, da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa da História, da Universidade Aberta e do Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras) – Abel Viana (1896-1964): uma vida de arqueólogo (p. 20-72); António Carlos Silva, da Direcção Regional de Cultura do Alentejo – O legado de Abel Viana para a Arqueologia do Alentejo (p. 73-82); e, finalmente, Mónica Rolo, UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa e Bolseira de Doutoramento – Abel Viana e Vila Viçosa (p. 83-110). De salientar que, para além da “Apresentação” (p. 7) de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente do Conselho Administrativo da Fundação da Casa de Bragança, este magnífico livro conta ainda com “Palavras Prévias” (p. 9-11) de António Carvalho, Director do Museu Nacional de Arqueologia, que escreve a dado momento: O arqueólogo Abel Viana e o seu labor mereciam ser recordados e, entre as instituições que poderiam fazer esta justa homenagem, a Fundação da Casa de Bragança assume um papel de destaque. / Abel Viana esteve ligado à génese da constituição do Museu Arqueológico da Fundação e nesse quadro à realização de muitas campanhas de trabalhos arqueológicos subvencionados pela mesma. O contributo de Abel Viana para o desenvolvimento da Arqueologia do norte alentejano foi decisivo (…) – citamos e subscrevemos.
Nós por cá, Alto Minho, impõe-se-nos a obrigação de fazermos um pouco mais pela memória de Abel Viana. Res angusta domi!

(In, Notícias da Barca, Ano XL, N.º 1246, 10 de Junho de 2016, p. 7 - Crónicas do Átrio e do Lethes-21)