Há pedras que não são apenas pedras. São marcos – sólidos, graníticos,
imóveis – mas cheios de movimento por dentro. São elas que seguram a memória
quando os homens já a esqueceram. No coração desses blocos silenciosos, ecoa
uma história antiga, feita de passos e mãos que moldaram a terra antes de nós.
São os nossos antepassados, ali enterrados não sob a terra, mas na superfície
das coisas que ignoramos.
O granito, com a sua dureza austera, é resistência. Não apenas à erosão
dos ventos, mas à erosão da consciência. Ele permanece quando tudo o resto
cede. É a matéria da memória e do esquecimento – simultaneamente. Porque, por
mais que se mantenha firme, precisa de olhos que o vejam e almas que o sintam.
Somos muitas vezes negligentes com aquilo que nos formou. Passamos ao
lado destes marcos como se fossem acidentes do terreno, obstáculos a evitar,
não sinais a interpretar. E no entanto, estão ali a dizer-nos de onde viemos,
quem éramos, e talvez até quem ainda somos, por baixo da camada de pressa e
distração que hoje nos define.
Essas pedras falam. Não com voz, mas com presença. Dizem que houve um
tempo em que o solo era sagrado, e os lugares tinham nomes que significavam
algo. Que existiu um vínculo entre o homem e a terra que o sustentava – e esse
vínculo foi gravado em granito.
Esquecê-las é esquecer-nos. Desprezá-las é romper a soberania do nosso próprio enraizamento. Mas há esperança na permanência: talvez o tempo nos devolva o sentido. Talvez ao pararmos diante desses marcos, com respeito, ouçamos outra vez as gerações que nos antecederam a chamar por nós, pela nossa memória, pela nossa identidade.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 21, quinta-feira, 27 de junho de 2025, p. 16)
