O Cidadão das
Cores esquecido em Viana do Castelo. Há vidas que se pintam com as tintas do tempo, sem
jamais secarem na memória coletiva. A de Luís Darocha é uma dessas. Filho da
arte e neto da inquietação, descendente do emblemático João da Rocha (O Frei) –
o vianense das Angústias e das Memórias de um Médium –, Luís não
foi apenas um pintor – foi um cidadão criativo, um pensador em tela, um errante
da estética. Nasceu em Oliveira de Azeméis, mas foi em Londres e Paris que
deixou que a sua alma se desdobrasse em paletas e silêncios densos de sentido.
Darocha não usava pincéis apenas para retratar o visível, mas para
perscrutar o invisível – esse que escapa aos olhos e mora no intervalo entre o
gesto e o pensamento. Fez da sua vida um ato de criação contínua, onde estudar
antropologia era tão natural como mergulhar no expressionismo mais íntimo. A
arte, para ele, nunca foi um refúgio: era campo de batalha, era trincheira de
humanidade.
Na Paris que o adotou, ensinou, partilhou, expôs. Mas foi o Portugal
que o esqueceu – talvez por nos doer encarar quem nos recorda o que poderíamos
ser: sensíveis, inquietos, atentos. Como tantos, foi mais celebrado fora do que
dentro. A Medalha de Ouro de 2014 não basta para apagar décadas de silêncio. A
sua última exposição, Ondulações de Estilo, nomeava bem a sua
metamorfose interior – porque Darocha não era uma assinatura estática, era um
processo contínuo de reinvenção.
Hoje, ao evocarmos o seu nome, não fazemos apenas justiça a um artista, mas também lançamos uma pergunta às cidades que habitamos: o que fazemos com os que nos refletem? Luís Darocha viveu como pintou – com intensidade, com riscos, com verdade. E talvez seja esse o verdadeiro papel do artista-cidadão: lembrar-nos, sem concessões, que criar é viver – e viver, por vezes, é uma forma urgente de resistência.
(In, A Aurora do Lima, Ano 170, Número 23, quinta-feira, 10 de julho de 2025, p. 17)
